Pe. João Dias Rezende Filho
Teólogo, genealogista e pesquisador
Chego a casa de meu pai e o encontro com um livro nas mãos. Até aí nada demais, pois meu pai tem a leitura como um hábito. Chamou-me a atenção foi o título: Memórias de um Parafuso. Pedi-lhe o livro e, imediatamente, comecei a lê-lo. Grata surpresa! Páginas dignas de nossas mais altas tradições historiográficas nas quais pontificam, in aeternum, César Marques, Mário Martins Meireles e mais recentemente, o saudoso imortal da Academia Maranhense, o historiador e folclorista Carlos de Lima. Isto para ficarmos somente em três grandes historiadores/historiógrafos de nossa Atenas.
Na dedicatória da obra, leio: "Ao irmão João Dias com um forte do abraço do irmão" e vejo um parafuso desenhado ao lado da assinatura Elvas. Já ficam evidentes os traços de um artista que incorporou um apelido como marca inconfundível de si mesmo. O comendador José de Ribamar Elvas Ribeiro, nascido em 6 de setembro de 1931, autor das Memórias é "de um tempo em que se tinha quase nada e fazia-se quase tudo" como diz em umas das quatro epígrafes que adornam o pórtico da obra. Parafuso é comendador da Ordem do Mérito Timbira, comenda que coroa com justiça a Memória Viva do Rádio maranhense.
Parafuso narra em prosa límpida e pontilhada de humor e picardia, a história não aprendida nos bancos escolares e universitários e sim nas lides diárias de quem fez e faz a vida do rádiode nossa terra. O autor-Parafuso (ou seria o Parafuso-autor?) é o protagonista de uma oficina onde um forte "parafuso sextavado, rosca soberba, se não tiver buraco eu faço um na hora e comigo só chave de boca e eu gosto..." (são palavras do próprio Elvas Ribeiro). No Prefácio da excelente obra de alentadas e divertidas 366 páginas, Élcia Cutrim de Jesus afirma: "As Memórias de Elvas Ribeiro entrelaçam-se a própria história a radiofonia maranhense e brasileira" (p.3). Um verdadeiro monumento ao nosso rádio, que teve início em 1939, quando o Sr. Paulo Ramos, então interventor federal no Maranhão, assinou o decreto instituidor da Estação Transmissora P.R.J. 9 - Rádio Difusora do Estado do Maranhão, esta obra preenche uma lacuna em nossa combalida memória pátria tão cheia de, infelizmente, e aí vai o neologismo que, talvez, nem filho meu seja, deslembranças.
Aquele que topar percorrer estas Memórias de um Parafuso, provavelmente, concluirá a leitura com a sensação de ter presenciado parte da História do Maranhão registrada e espalhada pelas ondas do rádio... Episódios pitorescos como o protagonizado pelo locutor e apresentador Aldir Doudement, o chamado episódio da Melca, que não transcrevo para não estragar a surpresa, fazem rir até o mais sisudo e carrancudo frade. Vale a pena conhecer, ou reconhecer para aqueles que viveram ou mesmo protagonizaram os fatos, os episódios e personagens que fizeram a história deste importante veículo que antes do boom da Televisão e da Internet dominava a mídia e reinava absoluto como meio de comunicação, informação e entretenimento nos lares de todo Brasil.
Um dos mais marcantes fatos narrados por Parafuso, dentre aqueles que nestas últimas quadras do século a pouco findado se sucederam, foi o terrível acidente com o navio Maria Celeste, de bandeira norte-americana, que chocou a população de nosso provinciano burgo, resultando do triste ocorrido 14 vítimas fatais. Há alguns anos, os restos mortais da velha embarcação permaneciam no canal de acesso à antiga Rampa Campos Melo. Parafuso nos conta como o rádio viveu e noticiou aqueles dias de pânico naquele 1954.
Dentre os personagens, Antônio Vieira, ilustre compositor e cantor, homônimo do não menos ilustre orador sacro, é um daqueles de quem Parafuso nos conta fatos e causos que precisavam estar registrados em tinta e papel. Edgar Fontenele, Escurinho do Samba, Japhet Nunes, João Carlos Nazaré, Lopes Bogéa, Bernardo Coelho de Almeida, Leonor Filho, Maria Inês Pires de Sabóia, Oliveira Ramos, Benito Neiva, Careca, Ary Oliveira, Dejard Martins são alguns dos que, com justiça, figuram nesta obra imortalizando a história jamais impressa do nosso radialismo. Até o finado Moto Bar do português Serafim, conspícua instituição boêmia de nossa cidade de outrora, está lá, gravado nas páginas das memórias indeléveis de Parafuso, redivivo no velho Largo do Carmo.
Ao ler esta obra já não é segredo para ninguém que o nobre comendador não é somente o príncipe dos radialistas maranhenses, mas também historiador de escol a nos legar em palavras o que aconteceu de melhor no rádio nesta Terra, onde de acordo com o Poeta, do alto das palmeiras cantam sabiás e... antigos cantores dos programas de auditório nas velhas "difusoras e timbiras", do alto das torres de transmissão, com vozes não menos maviosas que a dos pássaros do poema gonçalvino!
Parafuso, na quarta epígrafe, queixa-se que o rádio maranhense não tem memória. Caro Parafuso, eu ouso discordar de ti e dizer-te: não tinha memória, agora, tem! Desde o último 2 de julho, com o lançamento de teu livro, o rádio maranhense pode se gloriar, sem modéstia, que agora possui suas Memórias eternizadas nas tuas memórias! Concluída a leitura a sensação é de que um aparelho de rádio onde não houvesse este Parafuso, certamente, seria incapaz de funcionar a contento! Seria uma engenhoca sem utilidade!E quem diria que na cabeça de um Parafuso de rádio coubessem tantas histórias, hein?!
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