RIO - Luiz Carlos Barreto, cineasta e produtor: A indústria do entretenimento movimentou R$ 1,7 trilhão em 2010, segundo a Pricewaterhouse. No seu programa de governo há algum plano estratégico para o setor? Ou vamos continuar a tratar a indústria cultural como uma atividade ornamental?
Apesar da nossa riqueza cultural, o Brasil não figura na lista dos 20 maiores produtores de bens e serviços criativos no mundo, daí nosso programa contemplar a riqueza cultural como geradora de valor e competitividade globais focando em oito ações prioritárias, como a criação de um sistema de informações sobre economia criativa; a formação profissional; o apoio a empresas do setor; crédito para empreendedores criativos desprovidos de garantias ou avalistas, via Fundos de Aval, entre outros.
Ivan Lins, músico: Os ex-ministros Gil e Juca Ferreira enviaram para a Casa Civil no fim de seus mandatos uma proposta de reforma do Direito Autoral depois de anos de consultas públicas. Há mais de 3 anos os criadores esperam para conhecer o resultado desse esforço. Que compromissos podemos esperar?
A reforma da lei está estacionada na Casa Civil há meses. É nosso compromisso enviá-la ao Congresso Nacional logo nos primeiros meses de 2015. O melhor seria conciliar a defesa dos interesses dos que criam com a facilidade de acesso pela sociedade. Não é razoável a “solução” que prega que os artistas precisarão se sustentar fazendo shows até o final de seus dias ou então vendendo camisetas. É necessário um equilíbrio entre os interesses de produtores de conteúdo, os provedores de aplicação da internet e a sociedade civil.
Patricia Pillar, atriz: O tema reforma política me parece fundamental até para as questões da Cultura. Sem ela, não é possível construir um modelo de democracia que represente os interesses do povo brasileiro. Qual será seu compromisso em relação à reforma política?
Sem dúvida, um dos grandes entraves que a gestão do MinC sofre no atual governo diz respeito exatamente ao (mau) hábito político de entregar “nacos” do Estado a interesses privados ou partidários, negociando o ministério por objetivos outros que não os da Cultura. Nosso compromisso será assegurar uma gestão competente e comprometida com a criatividade, a identidade e a diversidade do povo brasileiro.
Lira Neto, escritor: Qual é a sua posição em relação à polêmica das biografias não autorizadas? O Procure Saber defendeu, de público, a necessidade de autorização prévia dos biografados ou de seus herdeiros legais. Biógrafos, jornalistas e intelectuais protestaram, evocando o direito constitucional à liberdade de expressão.
Neste assunto há que buscar um equilíbrio de direitos. De um lado há o direito à privacidade e à honra das pessoas; de outro, há o direito à informação e à livre expressão. Com equilíbrio, a chamada Lei das Biografias, já aprovada no plenário da Câmara dos Deputados e em tramitação no Senado, poderá assegurar um justo marco regulatório para o tema.
Adriana Varejão, artista plástica: Sobre o decreto do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram) que permite declarar de interesse público obras de coleções públicas ou privadas, o(a) senhor(a) não acha que o governo deveria focar na manutenção do acervo público que já existe?
Você tem razão. Tratamos do tema na página 123 do nosso programa: “O país tem perdido seu patrimônio artístico sem avaliar os danos que isto produz e sem ter a chance de estimular, antes da evasão, a aquisição de peças para coleções públicas ou privadas. Não se trata de penalizar ou engessar os negócios de colecionadores privados, como pretendeu o Ibram; trata-se, antes, de agir em sinergia, para que existam as condições adequadas de manter nosso patrimônio artístico próximo dos brasileiros”.
Carlo Carrenho, consultor editorial: O crescimento do comércio on-line tem sido cruel com as livrarias. Governos como o dos EUA valorizam o livre mercado e pouco fazem para proteger as livrarias. Mas a França exerce o preço fixo do livro e tem leis anti-Amazon. O seu governo tenderá para que postura?
Para uma postura com a seguinte estratégia: a) Aprimorar políticas para a produção e circulação do livro e oferecer bolsas de criação literária; b) Reduzir o custo dos livros; c) Fomentar a prática leitora, fortalecendo o Proler e o Plano Nacional do Livro e Leitura; d) Apoiar as bibliotecas públicas; e) Fortalecer o Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas. Vamos retomar a discussão sobre o preço único do livro e o incentivo às pequenas e médias livrarias, que podem ser impulsionadas a partir do uso do vale-cultura.
Márcia Milhazes, coreógrafa: Que medidas concretas podem ser tomadas para que a cultura ganhe mais importância no governo?
Aproximar cultura e educação, de modo que a formação e o desenvolvimento de grupos e atividades culturais sejam estratégicos na introdução do ensino integral; fortalecer programas voltados à cidadania cultural, identidades e diversidade, como o Cultura Viva e ações para mestres da cultura popular e griôs. E priorizar as artes, área em que houve menos avanço nas gestões do PT no MinC. É preciso fomentar a criação de cadeias criativas e preservar a memória e o patrimônio histórico e cultural.
Myrian Dauelsberg, produtora cultural: Como o seu plano de governo vê o vale-cultura?
A lei do Vale-Cultura é uma importante conquista para garantir a cultura na cesta básica. Porém, apesar da lei aprovada, seu alcance ainda é pequeno. Como principal medida, buscaremos assegurar que todos os trabalhadores da iniciativa privada, com renda até cinco salários mínimos, bem como os professores da rede pública, tenham acesso ao vale-cultura. Outra medida será o fomento a ações pulverizadas e comunitárias de oferta de produtos culturais.
Domingos Oliveira, ator e diretor: Bom cinema e bom teatro são bisturi fino. Alcançam lugares aonde nada mais vai: a honestidade, a solidariedade, o patriotismo, a ética, o amor. São imprescindíveis na formação do homem. Para o(a) senhor(a), isso é importante ou um detalhe?
Isso é a alma de um povo. Exatamente por isso, a cultura faz parte de um dos seis eixos estratégicos de nosso programa de governo (eixo 3: Educação, Cultura e Ciência, Tecnologia e Inovação), pois entendemos que somente com a educação aliada à cultura e à inovação é que conseguiremos mudar o Brasil em sua plenitude.
Adailton Medeiros, diretor do Ponto Cine: O Brasil tem cerca de 2.700 salas de exibição para mais de 200 milhões de habitantes. Ou seja: mil a menos do que havia no meado da década de 1970. Qual é a sua proposta para ampliar o número de salas de exibição, descentralizá-las e desonerar o setor?
Experiências como o Ponto Cine (cinema comercial com salas de baixo custo, instaladas em bairros populares e com ingressos a preços acessíveis) deverão ser incentivadas via financiamento pelo BNDES ou arranjos criativos nos municípios (recuperação de salas de cinema fechadas, desoneração fiscal etc.) e garantia de ampliação de público com iniciativas como A Escola Vai ao Cinema, estímulo ao uso do vale-cultura para aquisição subsidiada de ingressos e programa de incentivo ao cineclubismo.
Lilian Barreto, produtora cultural: Quais são as suas prioridades para o Fundo Nacional de Cultura?
A parte da produção artística e da cultura que não encontra espaço no mercado. Ou seja: a formação cultural continuada; a experimentação, pesquisa e inovação estética; a cidadania cultural, a identidade e a diversidade; conservação e preservação do patrimônio cultural; manutenção de corpos artísticos estáveis (desde teatro de grupo até orquestras).
Leoni, músico: O Ministério da Cultura é o de menor dotação orçamentária do país. Qual é a sua posição em relação à PEC 150, que garante 2% do orçamento federal para cultura sem contingenciamento? Vai mobilizar a base governista para garantir sua aprovação rápida?
A PEC 150 é estratégica para a efetivação do Sistema Nacional de Cultura e encontra-se pronta para votação na Câmara dos Deputados. No entanto, sua votação tem sido constantemente adiada há quase dez anos. Nosso compromisso será ampliar o orçamento da cultura desde o começo do governo e avaliar as ações da área da cultura para incrementar e ajustar os recursos.
Marcos Villaça, escritor e imortal da ABL: Qual é a sua ideia em relação à interação povo e cultura? Distingue cultura de massa e cultura popular?
Nosso lema para o novo Ministério da Cultura a partir de 2015: “a massa ainda comerá do fino biscoito que fabrico” (Oswald de Andrade). Cultura é tudo. Cultura interage, promove trocas, sínteses. Cultura é identidade, mais alteridade, gerando solidariedade. Cultura é tradição e invenção ao mesmo tempo; é erudita e popular; é de massa e singular. Cultura é de todos e para todos.
Jorge Mautner, músico e compositor: Hoje, se investe muito imposto via leis de renúncia para financiar musicais do exterior em superproduções de milhões. Por que não investir esse dinheiro nos talentos do país, que em cada estado guarda tesouros de exuberância poética e filosófica?
Estamos em acordo Jorge Mautner. Nosso programa de governo (pg. 129) prevê “combinar diferentes mecanismos de financiamento, evitando que as leis de incentivo fiscal sejam a maior fonte de recursos do setor”. Assim fortaleceremos o Fundo Nacional de Cultura para que, em um primeiro momento, tenha, no mínimo, os mesmos recursos que os destinados à renúncia fiscal. Com isso, programas praticamente abandonados pelo atual governo, como o CULTURA VIVA e os Pontos de Cultura poderão ser retomados e fortalecidos, bem como o conjunto da criatividade de nosso povo, que será tratada como bem estratégico para o fortalecimento de nossa identidade e diversidade, o que vai muito além de uma simples redução à condição de mercadoria.
Amir Haddad, diretor de teatro: Acredita que a Lei Rouanet contribuiu para uma mais justa distribuição de verbas públicas? Dinheiro público, manipulado por particulares, chega a todos igualmente e honestamente? Uma cidade é para quem vive nela ou para quem vive dela?
A chamada Lei Rouanet é analisada em nosso programa (pg. 129): “No que concerne ao financiamento, temos de considerar ainda que o universo da cultura é heterogêneo, composto por alguns setores lucrativos e outros necessariamente deficitários; alguns agentes aptos a competir no mercado e outros sem chances de inserção comercial. Há que combinar diferentes mecanismos de financiamento, evitando que as leis de incentivo fiscal sejam a maior fonte de recursos no setor.”
Eduardo Barata, produtor cultural: Desde a sua criação, a Lei Rouanet nunca foi operacionalizada de uma forma eficiente pelo Ministério da Cultura, deixando o proponente sem informação e detalhamento dos projetos. O Procultura possui uma estrutura muito mais complicada e complexa, com várias comissões e departamentos. Se até hoje, em mais de 20 anos, a Rouanet não foi operacionalizada pelo governo da forma esperada, como os senhores pretendem implementar esta detalhada nova lei? Na opinião dos senhores de quem é a responsabilidade pela distorção da Rouanet: do governo, do proponente ou da iniciativa privada?
De fato, a lei Rouanet, passados mais de 20 anos de sua aprovação, tem sérios problemas de operacionalização, tanto na fase de aprovação dos projetos, quanto na da prestação de contas. Há um conjunto de responsabilidades, seja do governo ou proponentes e iniciativa privada. Se, de um lado, o ProCultura poderá resolver várias distorções na lei, por outro, poderá agravar problemas operacionais, burocratizando o processo. Nossa intenção é analisar a lei em seu atual estágio (ainda sem aprovação no congresso) de modo a dar agilidade em sua implementação, como por exemplo: a partir do Sistema Nacional de Cultura, permitir que estados e municípios que também contam com leis de incentivo, possam analisar e aprovar projetos (com abrangência local e até determinado valor) à Lei Rouanet.