Num momento em que o governo admite dificuldades no cenário econômico, a cultura já sofre com cortes de orçamento nos âmbitos federal, estadual e municipal. A crise também abala o setor privado, ameaçando projetos financiados pelas leis de incentivo.
Enquanto museus e centros culturais em São Paulo demitem funcionários e planejam cortes na programação, instituições ligadas ao Ministério da Cultura tentam se adequar à penúria, com previsão de orçamento menor que o de 2014.
A Pinacoteca do Estado cortou 15% de seu orçamento, de R$ 27 milhões, e vai demitir 29 de seus funcionários, além de reduzir seu horário de abertura às quintas. O Museu Afro Brasil, o MIS e o Paço das Artes, instituições geridas pelo Estado de SP, demitiram, juntos, 43 de seus funcionários.
Entre os órgãos federais, no Rio, a Biblioteca Nacional dispensou 79 estagiários e reduziu o horário de funcionamento para poupar luz. A Casa de Rui Barbosa também planeja apagar as luzes mais cedo e fazer ajustes em novos concursos para bolsas de pesquisa.
Adriano Vizoni/Folhapress | ||
Pinacoteca do Estado, que cortou 15% de seu orçamento e vai demitir 29 de seus funcionários |
A contenção afeta toda a esfera federal, mas o ministro da Cultura, Juca Ferreira, diz crer que o impacto será maior para sua pasta, com um dos menores orçamentos do governo. No Salão do Livro de Paris, na sexta (20), ele comparou o MinC a uma "pessoa esquálida".
"Se você tira 30% do peso de uma pessoa normal, ela vai ter dificuldade, mas pode ir compensando. Mas, de uma pessoa esquálida, se você tira 30%, é possível até que inviabilize a vida dessa pessoa."
A verba do MinC vem caindo há dois anos. Na última quarta (18), o Congresso aprovou um valor de R$ 3,26 bi para a Cultura, ante R$ 3,32 bi autorizados para 2014.
A simples demora na definição dos números –em geral, o orçamento de um ano é aprovado no ano anterior– já acendeu a luz amarela.
Por causa do atraso, o governo já vem exigindo economia brutal dos ministérios. Até a sanção de Dilma, o gasto mensal não pode passar de dois terços do que os órgãos usaram por mês em 2014.
"Há um anúncio de cortes, mas não posso falar do que ainda não ocorreu", diz Mônica Xexéo, diretora do Museu Nacional de Belas Artes, no Rio. Em reformas há dez anos, o museu luta para concluir reparos emergenciais, mas as obras devem durar até 2017.
CONTINGENCIAMENTO
Mesmo com a indefinição no orçamento federal e com decisões ainda em curso no Estado de São Paulo, a meta nos governos é cortar até 30% dos gastos na Cultura.
Efeitos dos enxugamentos são incertos em alguns casos, mas prejuízos nos museus, bibliotecas e centros culturais podem incluir desde programação mais acanhada a horários reduzidos de abertura.
Editoria de Arte/Folhapress |
Nos cortes decididos pelo governo de São Paulo em fevereiro, coube à Secretaria de Estado da Cultura, com orçamento previsto de R$ 946 mi para 2015, a meta de reduzir os gastos em 10%.
Na ocasião, a pasta pediu às Organizações Sociais (OS), empresas privadas sem fins lucrativos que administram as instituições culturais do Estado, que apresentassem planos de contingenciamento para poupar até 30%.
Isso levou a decisões como a eliminação de 18 dos 130 colaboradores do MIS e do Paço das Artes, além de 25 no Museu Afro Brasil e 29 na Pinacoteca. Em abril, seis das 21 Oficinas Culturais do Estado serão fechadas, o que levará a novas demissões.
"A secretaria informou que, em razão da crise, haveria um corte e precisaríamos apresentar como isso se aplicaria", diz André Sturm, diretor do MIS, museu que teve sucesso de bilheteria em 2014, mas que, mesmo assim, terá redução nos horários de abertura e de cursos oferecidos.
Nesta semana, foi confirmado o orçamento do ProAC, programa paulista de incentivo à cultura, com verba 10% menor que a de 2014. Recursos para editais caíram de R$ 44 milhões para R$ 40 milhões, e os do ProAC ICMS, espécie de Lei Rouanet estadual, passaram de R$ 135 milhões para R$ 121 milhões.
Na esfera federal, a Lei Rouanet já não representa a tábua de salvação dos projetos de grande porte, como a Bienal de São Paulo e a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, que lutam para manter seus patrocínios.
A crise política e a queda no preço das commodities, como petróleo e minério de ferro, afastou empresas como Petrobras, Vale e Gerdau, concentrando a demanda por verbas em bancos como Itaú e Bradesco, líderes em patrocínio.
Mesmo instituições privadas, como Masp e Instituto Inhotim, sofrem pela queda nos recursos incentivados. Após a reestruturação de 2014, com troca no comando e a entrada do Itaú como âncora financeira, o Masp neste ano só terá mostras de seu acervo, sem grandes ambições.
No âmbito federal, entidades como o Ibram, que administra museus, e a Ancine, de fomento ao cinema, preferem não se pronunciar sobre cortes antes da sanção do orçamento pela presidente Dilma.
Mas o contingenciamento previsto de até 30% já permite falar em ajustes. A historiadora Lia Calabre, presidente da Casa de Rui Barbosa, diz que não reduzirá pessoal nem bolsas de pesquisa vigentes, mas terá de repensar as bolsas futuras. Na Funarte, a indefinição atrasa a preparação do pavilhão nacional na Bienal de Veneza e a abertura de editais.
A Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo começou o ano com verba de R$ 416 milhões. É menos do que os R$ 454 milhões executados em 2014. Mas a prefeitura faz a ressalva de que, além do orçamento de 2015, R$ 25 milhões investidos em 2014 na empresa de incentivo ao cinema ainda estão em circulação.
O diretor do Museu da Cidade, Afonso Luz, porém, vê uma fase de contenção. "Tivemos corte de 20% do orçamento previsto, mas isso pode se reverter. A prefeitura depende da renegociação da dívida com o governo [para saber se cortes serão necessários]. É um congelamento."
A Biblioteca Mário de Andrade, que almejava orçamento de R$ 15 milhões em 2015, ficará nos mesmos R$ 12 milhões de 2014.
OUTRO LADO
Procurada por duas semanas, a Secretaria de Estado da Cultura não deu a dimensão dos cortes, mas admitiu contingenciamento "diante da crise econômica nacional" e diz buscar o "mínimo de impacto".
Em nota, a secretaria disse que os 18 museus estaduais estão "adotando medidas administrativas, de acordo com a complexidade de cada espaço" e que pode haver "redução na quantidade e frequência das atividades realizadas".
Informou que as atividades das Oficinas Culturais serão mantidas nas cidades em que as sedes foram fechadas.
O MinC não comenta enquanto não há sanção presidencial do orçamento. A Secretaria Municipal de Cultura nega redução de programas e dispensa de funcionários e diz estar até ampliando atividades.
Da Folha
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