Quem acha que já viu tudo ficou pasmo no último domingo. Mal iniciado o discurso de Dilma sobre o Dia Internacional da Mulher, alguns dos bairros mais ricos e bem comportados das capitais do país foram invadidos por um bater de panelas e xingamentos contra a presidente e o PT. Foi a revolta da varanda.
Cheios de indignação, homens de bem, cidadãos respeitadores da lei e da ordem e jovens educados nas melhores escolas soltaram o verbo. Estavam cumprindo um dever patriótico, em defesa da moral e do povo brasileiro.
Muito bem. Mas como perguntar não ofende...
Onde estavam eles, no dia anterior, quando dez pessoas foram brutalmente assassinadas numa chacina no Jardim São Luiz, zona sul de São Paulo?
Há suspeita de que os autores tenham sido policiais militares. Aliás a polícia matou este ano uma pessoa a cada 10 horas nas periferias paulistas. Ah, se fosse nos Jardins, a república já tinha caído.
Dez homicídios. Paz nas sacadas.
Mas não sejamos injustos! Eles estão preocupados com temas maiores. É o Brasil que está em jogo.
Está bem então. Onde estavam eles na maior entrega do patrimônio nacional, quando se repassaram os minérios, as telecomunicações e a energia para controle estrangeiro?
A privataria da Vale, da Telebrás e do setor elétrico foi um crime de lesa-pátria e levou a perdas financeiras inestimáveis. Como se não bastasse, as privatizações foram conduzidas de modo corrupto, "no limite da irresponsabilidade", como disse à época um tucano.
E, para não ser acusado de "petralha", tomemos um fato mais recente. Onde estavam eles em 2013 durante o leilão do Campo de Libra –coração do pré-sal–, que entregou parte do petróleo a empresas multinacionais?
Silêncio em Perdizes. Nenhuma panela nas varandas do Lago Sul.
Talvez não estejamos compreendendo. A questão é a corrupção! Não podemos ficar parados vendo toda esta roubalheira!
Pois bem, vamos lá. Onde estavam eles quando, após a Operação Satiagraha, o banqueiro Daniel Dantas foi libertado e o processo anulado mesmo com todas as provas de corrupção, suborno e lavagem de dinheiro?
Onde estavam quando, em 2014, a sonegação fiscal –especialmente por grandes empresas e ricaços– roubou mais de R$ 500 bilhões dos cofres públicos em uma ano, ultrapassando os R$ 415 bilhões do ano anterior?
R$ 500 bilhões equivalem a mais de cem vezes os recursos desviados da Petrobras na investigação da Operação Lava Jato.
E, no mês passado, onde estavam quando explodiu o escândalo do HSBC pelo qual 342 magnatas brasileiros, junto com colegas de outros países, enviaram ilegalmente bilhões de dólares para o banco na Suíça?
Silêncio em Moema. Nenhuma panela nas varandas do Leblon.
Falta coerência à elite urbana do país. São arautos da moralidade seletiva e chegaram bem atrasados para denunciar a corrupção nacional. Não lembro de ter visto nenhum deles no último domingo pedindo reforma política com o fim do financiamento empresarial das campanhas.
Seu antipetismo, cada vez mais histérico, não é pelo muito que os governos petistas deixaram de fazer, mas pelo pouco que fizeram.
É evidente que o discurso de Dilma não merecia nenhum aplauso. Dizer que o ajuste fiscal –que faz os trabalhadores pagarem pela crise– foi um ato de "coragem" é inaceitável. Corte de investimentos sociais, aumento de tarifas e ataque a direitos trabalhistas é, sim, um ato de covardia.
Mas não é isso que indigna a turma da varanda. Envenenados por uma mídia que quer sangrar o governo e flerta com o impeachment, acreditando alguns desavisados que estão numa cruzada pelo Brasil, na verdade representam a tentativa de impor uma saída conservadora à crise do petismo.
É isso que novamente estará nas ruas em 15 de março.
Talvez sirva como lição para Dilma se dar conta de que a crise política está além dos muros do Congresso. E de que, se quer apoio popular para enfrentar a direita nas ruas, precisará reverter as medidas impopulares de seu governo. Fazer o ajuste para o outro lado, com taxação das grandes fortunas, política de combate à sonegação e garantia de todos os direitos e investimentos sociais.
Este sim seria um ato de coragem. E faria a turma da varanda perceber que era feliz e não sabia.