Aos 60 anos, aquele amor, foi, para Reginaldo, o recomeço da vida. Naquelas fotos, o tempo não passou
Reginaldo conheceu Dolores, por acaso, numa livraria, onde estava à espera de um amigo que não via há vários anos. Tinham morado juntos, nos distantes anos da juventude, mal chegados ao Rio; ele vindo de Belo Horizonte, e o Flávio, de Vitória do Espírito Santo.
Marcaram de se encontrar às 11 horas para, depois, irem almoçar e lembrar o passado, mas o amigo, como sempre, atrasara. Foi então que Reginaldo se deu conta de uma moça morena, de pouco mais de 20 anos, a folhear com interesse um livro que pegara da estante. Era um livro de filosofia, assunto que sempre lhe interessou. Por isso, tentou ver o título do livro e ela, percebendo sua curiosidade, sorriu e mostrou-lhe o exemplar.
Ela não era linda, mas simpática e sedutora. Conversaram e, quando Flávio chegou, despediram-se. Mas ele, antes, perguntou-lhe o nome e o telefone, no que ela o atendeu com visível prazer.
Não é preciso dizer que ele, ao chegar à casa, naquela noite, telefonou-lhe e a convidou para tomarem um chope num bar de Laranjeiras, perto de onde ela morava. Beberam e conversaram até tarde, quando ele se ofereceu para levá-la em casa.
Nessa conversa, ficou ele sabendo que ela não tinha namorado e ela, que Reginaldo já não se entendia com a mulher, embora morassem na mesma casa. Não tinham filhos e haviam se cansado um do outro.
Ainda no táxi, ao deixá-la em casa, teve ímpeto de beijá-la. Ela o percebeu e tomou a iniciativa, o que o fez voltar para casa feliz com aquele namoro que acabava de nascer. Na noite seguinte, foram para um motel e se amaram loucamente. "Gosto de homem mais velho", disse-lhe ela, antes de adormecer em seus braços.
Aos 60 anos de idade, aquele amor foi, para Reginaldo, o recomeço da vida. Várias vezes por semana voltavam ao motel para se amar.
Foi quando o presidente da empresa em que ele trabalhava falou-lhe da possibilidade de transferi-lo para a sucursal em Madri. No primeiro momento, levou um susto, porém, depois, pensando melhor, chegou à conclusão de que seria um pretexto para se separar da mulher e passar a viver com Dolores. Mas, quando disse isso a ela, viu que a coisa não era tão simples assim: a mãe dela, doente como estava, necessitava de seus cuidados, não poderia deixá-la sozinha nem levá-la consigo para a Europa.
Sucede que a transferência se consumou e ele não poderia, àquela altura da vida, deixar o emprego em que trabalhava havia mais de 20 anos.
Enfim, transferiu-se para Madri e conseguiu, logo no início, que Dolores fosse passar alguns dias com ele. Foram dias de felicidade, também para ela, que nunca tinha ido à Europa. Essas visitas se repetiram umas poucas vezes espaçadamente até cessarem. É que ela também, além da mãe, vivia de fazer e vender artesanato.
A distância terminou por esfriar a relação. Finalmente, certo dia, Dolores lhe confessou ter conhecido um rapaz por quem se apaixonara. Reginaldo ficou chocado com a notícia, mas ainda tentou fazê-la desistir do novo namorado e ouviu dela uma resposta irredutível: Reginaldo tinha mais que o dobro da sua idade, enquanto seu novo namorado era jovem e desejava constituir com ela uma família.
Queria ter filhos, um profundo desejo de ambos. Ele entendeu, não lhe telefonou mais e terminou se apaixonando por uma espanhola.
Algum tempo depois, o presidente da empresa morreu, a sucursal em Madri foi extinta e ele voltou para o Brasil, onde se aposentou e passou a trabalhar em casa. Sua mulher já havia morrido e ele vivia agora sozinho no mesmo apartamento, onde morava quando conhecera Dolores. E, por falar em Dolores, descobriu numa gaveta várias fotos dela. Em algumas, estava nua, sozinha; noutras estavam juntos na cama, sorrindo.
Ao se deparar com essas fotos, foi se sentindo outro, aliás, o mesmo daqueles momentos felizes. Dolores se casara e tivera filhos. Viu-a, de relance, numa estação de metrô: era agora uma senhora. Mas, naquelas fotos, não; nelas continuava jovem e feliz, apaixonada por ele. Por isso, passava horas a contemplá-las. Ali, estava a mesma Dolores que amara, pois, naquelas fotos, o tempo não passou. Foi o que ele me disse na última vez em que nos vimos.