Procurador-geral pede súmula sem modulação de efeitos
O parecer do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pela aprovação da súmula vinculante 69 do Supremo Tribunal Federal (STF), caiu como uma bomba nos governos estaduais, principalmente do Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Janot rejeita todos os argumentos contrários à súmula e propõe que ela seja editada imediatamente, nos termos em que foi inicialmente apresentada pelo Supremo. Ou seja, sem qualquer modulação dos efeitos da decisão.
Os governadores e secretários de Fazenda estão, nesse momento, "matutando sobre as implicações do parecer", como sintetizou ao Valor um secretário. Para alguns, a manifestação de Janot adiciona um ingrediente a mais no quadro de insegurança jurídica em que estão mergulhadas as empresas que realizaram investimentos com incentivos estaduais. Com isso, os novos investimentos, que já estavam travados, podem ser adiados.Em abril de 2012, depois de julgar várias ações e decidir pela inconstitucionalidade de benefícios fiscais relativos ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), concedido pelos Estados sem aprovação prévia do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), o Supremo apresentou a proposta de súmula vinculante 69. Ela prevê que qualquer isenção, incentivo, redução de alíquota ou de base de cálculo, crédito presumido, dispensa de pagamento ou outro benefício fiscal relativo ao ICMS, concedido sem prévia aprovação em convênio celebrado no âmbito do Confaz, é inconstitucional.
Se a súmula for editada sem a modulação dos efeitos da decisão, como recomenda o procurador-geral, todos os incentivos fiscais relativos ao ICMS, concedidos pelos Estados sem aprovação prévia do Confaz, deixarão de existir. Assim, o Ministério Público moverá ações na Justiça para que as empresas beneficiadas pelos incentivos recolham o ICMS que deixaram de pagar aos cofres estaduais.
Em seu parecer, Janot considera desnecessário adiar a edição da súmula até que sejam analisadas outras ações que envolvem a aprovação de convênios ainda pendentes de julgamento pelo STF. Entre essas ações está a arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) 198, que questiona a constitucionalidade da exigência de unanimidade de votos dos representantes dos Estados nas reuniões do Confaz para a concessão de benefícios fiscais relativos ao ICMS.
Para Janot, o texto da súmula vinculante sugerido pelo Supremo "não faz alusão à forma e ao quórum, mas apenas à aprovação em convênio celebrado no âmbito do Confaz". Assim, no entendimento do procurador-geral, a discussão quanto a tais aspectos da aprovação dos convênios não pode ser vista como condição preliminar e prejudicial ao julgamento da proposta.
Ao analisar essa questão, Janot deixa claro a posição da Procuradoria-Geral sobre o quórum do Confaz para decisão de benefícios fiscais. Segundo ele, a exigência de decisão unânime dos Estados representados nas reuniões do Confaz "não viola o princípio democrático, pois tem o objetivo - legítimo - de assegurar o pacto federativo, mediante a inibição da 'guerra fiscal' entre os Estados".
Para Janot, o argumento de que a aprovação dos incentivos fiscais pelo Confaz está regulada pela Lei Complementar 24/1975 "não é suficiente para a rejeição formal da proposta, pois não afasta a natureza constitucional da matéria".
O procurador-geral observa que o Supremo vem repudiando todas as tentativas legislativas e administrativas dos Estados em conceder benefícios fiscais unilateral e indiscriminadamente, "valorizando, de modo inequívoco, o primado da federação".
Para ele, a celebração de convênios no âmbito do Confaz, cuja obrigatoriedade é reafirmada na súmula vinculante, "visa exatamente a evitar essas práticas que, em última análise, provocam a desestruturação do pacto federativo, mediante o exorbitante favorecimento do ente público desonerador, em prejuízo dos demais entes da federação".
Na opinião de Janot, a proposta de súmula vinculante pretende evitar a concessão de benefícios unilaterais. "A proposta assegura, portanto, a indissolubilidade da federação", sentencia.
O procurador-geral contesta os argumentos contrários à proposta de que a interrupção abrupta dos incentivos fiscais implicará, para a maioria dos Estados brasileiros, problemas como o desemprego, insolvência de empresas, aumento da violência e degradação dos serviços públicos mantidos pela arrecadação do ICMS. Esses argumentos foram apresentados pelos governadores do Norte, Nordeste e Centro-Oeste em reuniões com ministros do Supremo.
Janot observa que apenas, e exclusivamente, a União pode estabelecer políticas que afetem a competitividade, em prol do desenvolvimento de regiões mais pobres do país. "Essa é a única forma de redução de desigualdades equânime, sustentável e considerada constitucional", diz o parecer. Os Estados e municípios "não têm tal responsabilidade, a não ser que concordem, por unanimidade, com uma política comum de incentivos".
Por fim, Janot argumenta que a modulação dos efeitos da decisão "parece não ser necessária". Primeiro, porque a proposta de súmula está pautada em entendimento que já vem sendo reiteradamente adotado pelo STF ao tratar de ações que envolvem a "guerra fiscal". Depois, porque, caso a súmula vinculante seja aprovada, todos os incentivos concedidos após a sua vigência, em desacordo com a regra nela estabelecida, deverão ser considerados inconstitucionais. "Dados os benefícios do novo caminho, mais célere, que pode ser inaugurado com a aprovação da proposta, não há razões para postergá-lo; pelo contrário, deve-se permitir a sua imediata utilização", conclui.
A questão agora é saber quanto tempo o Supremo levará para editar a súmula, e se ele acolherá a opinião de Janot, de que não seja feita modulação dos efeitos da decisão. O mais sensato seria o Confaz chegar logo a um acordo sobre os incentivos fiscais já concedidos e as regras que valerão no futuro, permitindo ao Senado votar a proposta de reforma do ICMS, engavetada no ano passado. Mas tudo indica que isso não ocorrerá neste ano de eleições gerais.