domingo, 27 de abril de 2014

EM VEJA - MARANHÃO: Presídio de Pedrinhas: quem pode, foge — e volta ao crime

Na saída de Páscoa, quarenta detentos não voltaram para o cárcere. Enforcamentos, fugas e despreparo do governo de Roseana continuam


A série de assassinatos brutais no Complexo Penitenciário de Pedrinhas ao longo do ano passado deixou um rastro de medo que ainda perdura no Maranhão, dentro e fora dos presídios, quatro meses depois do ápice da crise. A situação de emergência fez a Polícia Militar e a Força Nacional assumirem o patrulhamento em Pedrinhas a pedido do governo do Estado. Mesmo assim, os detentos voltaram a tentar fugas em massa nas últimas semanas. Ao menos dezessete conseguiram escapar neste ano – dez de uma só vez. A eles se somam os presos de “bom comportamento” que ludibriaram a Justiça no saídão de Páscoa e não voltaram mais. Só em Pedrinhas foram quarenta, além de sete internos de outras unidades prisionais da capital maranhense.
Entre os foragidos há criminosos especializados em assalto a banco, segundo a Polícia Civil, instituição responsável por recapturá-los. Eles estavam na lista de 240 presos da Região Metropolitana de São Luís beneficiados com o indulto na Semana Santa. A juíza Ana Maria Almeida Vieira, da 1ª Vara de Execuções Penais, disse já ter providenciado novos mandados de prisão.
Entre os dias 8 e 14 de maio, comemoração do Dia das Mães, outra leva de detentos terá a oportunidade de escapar da lei sem escalar paredes e grades com cordas feitas de lençol nem rastejar por túneis cavados de dentro das celas. Desde março, eles já abriram cinco passagens subterrâneas para fugas em massa do complexo prisional.
Nada leva a crer que os 47 fugitivos vão se distanciar do crime. O cenário que eles encontram nas ruas da Grande São Luís é assustador. O número de homicídios no primeiro trimestre chegou a 234, alta de 45% ante os 161 dos três primeiros meses do ano passado. A guerra do tráfico é o motor das mortes, que agora também atingem parentes dos criminosos.
No último dia 15, Marcone da Costa Pereira e Domingos Pereira Coelho foram executados a tiros em um intervalo de três horas. O irmão de Marcone, Irismar Pereira, e o filho de Domingos, Diego Michael Mendes Coelho, haviam sido decapitados durante a rebelião de dezembro de 2013 no Centro de Detenção Provisória (CDP) de Pedrinhas. Os presos apelidaram a unidade de “Cadeião do Diabo”.
A inteligência da polícia também monitora marginais que ameaçaram de morte a mulher de um criminoso que está preso. Ela se mudou para um bairro dominado pela a facção rival da que o marido pertence.
Facções:
Bonde dos 40
PCM
Delegacias – Para tentar controlar o caos, a governadora Roseana Sarney (PMDB) escalou o cunhado Ricardo Murad (PMDB) na chefia da pasta da Segurança Pública. Ele acumula o cargo com o de secretário da Saúde, o que evidencia o status de “supersecretário” de Roseana. Subordinados de confiança dizem que Murad é mais bem “articulado” no Palácio dos Leões, sede do governo maranhense. Logo após assumir, Murad protagonizou uma reunião com o comando da secretaria da Administração Penitenciária. O encontro traçou novas estratégias para desvendar os assassinatos no cárcere.
Uma mudança da gestão Murad é que a Delegacia de Homicídios passou a centralizar as investigações das mortes de presos, em substituição aos DPs de área. Em uma semana, os investigadores indiciaram oito companheiros de cela do preso Laurêncio Silva, de 24 anos, Centro de Custódia de Presos de Justiça (CCPJ) do Anil. Ele foi enforcado com um fio de nylon – os acusados tentaram simular um suicídio por enforcamento.
Laurêncio Silva foi o 14º detento assassinado neste ano enquanto estava sob custódia do Estado do Maranhão – sete morreram no Complexo de Pedrinhas. O governo Roseana aposta na inauguração de duas novas penitenciárias de segurança máxima em São Luís para estancar a matança. Mas ainda não há indícios de que a lei do crime vai deixar de valer no cárcere.

Barbárie no presídio de Pedrinhas (MA)

Estupros

Relatório do CNJ denunciou a prática de abuso sexual contra esposas, irmãs e filhas de presos pelos chefes das organizações criminosas. Segundo o juiz do CNJ Douglas de Melo Martins, encarcerados por crimes menores prostituem familiares para não serem mortos pelos líderes das facções, que ditam as regras no presídio. As visitas íntimas acontecem com as celas abertas e em ambientes coletivos

Facções

Atualmente, três facções criminosas atuam no presídio: Anjos da Morte, Primeiro Comando do Maranhão e Bonde dos 40. As duas primeiras são formadas por presos do interior do Estado, apelidados de “baixadeiros”, e a última por detentos da capital. Cada detento é forçado a aderir a um grupo logo quando chega ao presídio. A disputa de poder entre as gangues deixou dez mortos em uma rebelião ocorrida em outubro.

Tortura

Imagens fortes de um vídeo citado no relatório do CNJ mostram um preso ainda vivo com a perna dissecada, com os músculos, tendões e ossos à mostra. Em outros vídeos e fotos aparecem presos com as cabeças cortadas e os corpos esquartejados. Um outro detento morto foi encontrado pelos policiais na área de descarte do presídio com os membros distribuídos em sacos de lixo. Em outros registros, um preso teve a cabeça arrancada e inserida no próprio abdômen.

Rebeliões

Os motins são frequentes no presídio desde 2002. As maiores rebeliões ocorreram em novembro de 2010, quando 18 presos morreram, e em outubro de 2013, que terminou com 10 vítimas. As rebeliões são sucedidas por retaliações das facções. Desde janeiro do ano passado, ao menos 62 presos foram assassinados. 

Condições precárias

Construído para abrigar 1.700 presos, o presídio mantém 2.200 no local, de acordo com o governo maranhense – entidades de direitos humanos falam em 2.500. Segundo o relatório do CNJ, as condições de higiene e sobrevivência são mínimas e duzentos a trezentos presos chegam a dividir o mesmo pavilhão sem critérios de separação.

Distúrbios Mentais

Segundo o CNJ, portadores de distúrbios psiquiátricos dividem as celas com presos comuns, em Pedrinhas. O texto afirma que eles foram enviados para o presídio por falta de vagas em unidades de internação. 
Por que o presídio de Pedrinhas entrou em colapso

Presídio armado


Ao assumir a segurança de Pedrinhas, a Polícia Militar apreendeu 200 armas improvisadas e 30 celulares com os detentos. Uma semana depois, em nova vistoria, foram recolhidas dezesseis armas brancas, 22 munições de revólver calibre 38 e três celulares.

Agentes corruptos

Relatório do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) afirmou que o governo se “mostrou incapaz” de apurar casos de corrupção e de abuso de autoridade por agentes penitenciários envolvidos na morte de detentos. O órgão listou três inquéritos, dois de 2008 e um de 2010, que ainda não foram concluídos. A segurança do presídio é feita por uma empresa terceirizada. 

Superlotação

Com capacidade para abrigar 1.700 detentos, Pedrinhas mantém atualmente ao menos 2.200 encarcerados, conforme dados do governo maranhense. Segundo o juiz do CNJ Douglas de Melo Martins, duzentos a trezentos presos se amontoam em um mesmo pavilhão sem critérios de divisão.

Descaso do poder público

Relatório do CNJ diz que o governo do Estado foi informado ao menos duas vezes sobre as condições precárias da prisão, que registra rebeliões desde 2002. Também reiterou a necessidade de construir mais presídios por causa da sobrecarga no sistema prisional maranhense. Segundo reportagem do jornal Folha de S. Paulo, o governo federal cancelou o repasse de 20 milhões de reais para a construção de duas penitenciárias no Estado no ano passado.

Barbárie

Violência degenera em mais violência. Com o argumento de “impor respeito” na cadeia, detentos exibem a cabeça de executados como troféus após execuções em massa, conforme imagens de vídeos e fotos produzidos no interior de Pedrinhas. Há ainda relatos de presos esquartejados, esfolados, degolados e estrangulados até a morte. 

Estrutura precária

Além da superlotação, algumas celas não tem grades e as condições de higiene são mínimas. As visitas íntimas são feitas em ambiente coletivo, o que facilita a ocorrência de estupros de familiares de detentos. Segundo denúncias do CNJ, doentes mentais ficam encarcerados junto com presos comuns. Bloqueadores de celular só foram instalados no presídio no ano passado após uma rebelião terminar com a fuga de 85 presos. 

Facções rivais

Três facções criminosas disputam o controle da penitenciária: Primeiro Comando do Maranhão, Anjos da Morte e Bonde dos 40. A rivalidade entre elas decorre do confronto entre bandidos do interior e da capital maranhense. Não há critérios de separação para o cárcere. Por isso, facções inimigas chegam a dividir o mesmo pavilhão.