quinta-feira, 17 de abril de 2014

Aceitando desaforos - CARLOS ALBERTO SARDENBERG

Estrangeiros não pensam em montar automóveis ou fabricar aço. Estão de olho na extraordinária taxa de juros brasileira
    A Nissan gastou R$ 2,5 bilhões para instalar em Resende uma fábrica capaz de produzir 200 mil carros e 200 mil motores por ano. Considerando que a participação da montadora no mercado atual é muito pequena, a companhia só pode estar pensando no longo prazo. De fato, disse o presidente da Nissan, Carlos Ghosn, o momento brasileiro é “desapontador”.
    Mas coloque no contexto. Se não crescer nada neste ano, a indústria automobilística local vai produzir algo como 3,7 milhões de veículos. É o quarto ou quinto mercado do mundo. Aqui se montam mais veículos do que na Inglaterra, na França, na Itália, no México. Em economia, tamanho é documento. Sendo grandão, o Brasil tem uma vantagem competitiva.

    Resumindo: mesmo com um ritmo de crescimento “desapontador”, há boas vendas por fazer no Brasil. E, supondo uma expansão lenta, quase vegetativa, também tem espaço. Hoje, no Brasil, há 175 carros por mil habitantes. Na Europa, são 500. Se o Brasil levar uns dez anos para chegar perto da renda média europeia, o mercado aqui aumenta três vezes nesse período.
    Se você acha que as cidades já estão congestionadas, ainda não viu nada. Sim, há menos congestionamentos nas principais cidades europeias, mas eles lá cuidaram melhor dos transportes coletivos e da organização do tráfego — coisas nas quais o Brasil não é propriamente um exemplo.
    Mas, se consegue justificar bem sua nova fábrica, a direção da Nissan provavelmente não tomaria a decisão de iniciar a construção hoje. A decisão foi tomada entre 2010 e 2011, quando o Brasil saía rapidamente da crise global, mostrava um forte crescimento e parecia ser a aposta da vez.
    Hoje, são já quatro anos de baixo crescimento e inflação alta, sem perspectivas de uma virada próxima.
    Mas os investidores estrangeiros, depois de uma breve debandada, estão de volta ao mercado financeiro desde o fim de fevereiro. Tanto é assim que a entrada de dólares puxou a Bolsa para cima e a cotação da moeda brasileira para baixo.
    Mas esse pessoal não está pensando em montar automóveis, muito menos fabricar aço. Está de olho na extraordinária taxa de juros brasileira. Num mundo de juros reais zero ou mesmo negativos, o título do Tesouro brasileiro paga inflação mais 6% ao ano. Não existe nada parecido em nenhum outro país.
    Deixando de lado os mais desenvolvidos e ficando apenas na América Latina, eis a comparação. A taxa básica de juros no Brasil, essa fixada pelo Banco Central, é de 11% com uma inflação em torno de 6% anuais.
    No México, nessa comparação, a remuneração real é zero. Na Colômbia, no Chile e no Peru, o investidor leva, com sorte, 1% real. As taxas de juros estão entre 3,5% e 4%, com inflação em torno dos 3%.
    Já ouviu falar em carry trade? Pois se ouve muito por aqui. Trata-se de tomar dinheiro emprestado lá fora, a juros bem baixinhos, e comprar títulos do Tesouro brasileiro.
    Por que, então, houve aquela debandada em 2013, que levou o dólar a R$ 2,40? Porque parecia que a política monetária dos EUA estava prestes a mudar — com a alta dos juros por lá — e que o Brasil ia ser rebaixado pelas agências de classificação de risco.
    Bem, a política americana vai mudar, mas demora. Os juros certamente não sobem antes de 2015. E uma agência rebaixou o Brasil, mas informando que mantém o país em grau de investimento por um tempo razoável. No mínimo, até o próximo governo, mesma perspectiva indicada por outras agências.
Ora se os juros não vão subir por lá, se o Brasil não vai para a segunda divisão e se paga esses juros, quem não vem?
    Perguntaram a um investidor estrangeiro que trazia uns dólares de volta ao Brasil: por que isso, se vocês criticam tanto o governo Dilma, acusando-o de incompetência e hostilidade ao investimento privado? Resposta: com juros a 7,25%, eu não aceito desaforos; a 12%, eu aceito.
    De certo modo, os investidores em fábricas, comércio, serviços — em negócios reais — também estão aceitando desaforos. É difícil e caro produzir qualquer coisa no Brasil. Mas, caramba, são 3,7 milhões de veículos, 280 milhões de celulares, 80 milhões de internautas...
Sempre bom
    Quem não perde a conversa é o ministro Mantega. Quando o dólar disparou para R$ 2,40, disse que seria bom para a indústria local, para a exportação, para as contas externas.
    Quando o dólar caiu de volta, disse que tudo bem, será bom para derrubar a inflação.