Wilson Figueiredo
No último dia do ano, vive-se por tradição a ilusão de que, no primeiro do novo ano, tudo deixa de ser como era, e passa a ser como deveria ter sido e não foi. Desde 1955, quando obteve nas urnas o mandato de deputado federal pelo Maranhão, José Ribamar Sarney caiu nas malhas da política, já na terceira encarnação republicana, a Constituição de 1946, e deparou com a obrigação de fazer opções que, cada vez mais, dependiam das circunstâncias do seu tempo e menos da própria consciência.
Não sobreviveria a nova geração, que marcaria passo sem sair da expectativa retórica da Constituinte de 1946. Até que, depois de passar pelo rito da social-democracia, um operário foi alçado à Presidência da República no começo do novo século. Não era uma incógnita. Sem qualquer abalo, nem temor desmedido, o Brasil voltava ao natural e, o natural, ao que havia de menos bom, com o pior à disposição.
Sarney tem razões que a própria reeleição desconhece. Presidentes deveriam ser encapsulados num compromisso legal como conselheiros da República, com recursos mínimos para o exercício de se reunirem com os presidentes, a convite deles, e, havendo necessidade, falarem com o desinteresse e o descompromisso de partidos e tendências políticas. As palavras do senador que, em mais dois anos, se aposentará com o mandato em curso — não pela oportunidade de baixa ressonância política — valem por um intervalo de sabedoria, de que nem tomam conhecimento os que chegam e despertam nostalgia nos que fazem a mala para o derradeiro mandato em esgotamento.
A política, por sua natureza, só tem a porta de entrada na ressalva de Sarney, e deixa às janelas, que servem também para a defenestração literal, fazer despejos. Por lei mas, por fora da lei, pode-se também exercer serventia moral por vontade do eleitor.
Em tom confidencial, com voz levemente velada e como quem confia, Sarney falou, certo de que, daqui para a frente, à medida que se afastar da ação política, seja como presidente de partido ou ex da República, poderá meditar objetivamente sobre o Brasil. Não lhe faltará tempo no tempo útil que lhe restar. Deixa aos interessados e desinteressados a maldição que faz falta: “As medidas provisórias destruíram o Congresso”. Mas não pediu: “Orai por nós”. Não mais se habilitará a cargos eletivos ao passar à etapa superior da vida, que não está em jogo. Basta-lhe saber que é o suplente de si mesmo. Aceita ser julgado pelas últimas palavras que tiver dito. E, como a política só tem a porta de entrada, vai zanzar por aí ou sucumbir, por temporadas, no Maranhão, que “é saudade que não passa”.
Do Jornal do Brasil