domingo, 2 de setembro de 2012

A intervenção chega ao Amapá de Sarney? - SUELY CALDAS

Na quinta-feira o governo surpreendeu o setor de energia com a edição da Medida Provisória (MP) n.º 577, que possibilitou a intervenção federal em oito empresas do grupo privado Rede Energia situadas nas Regiões Norte, Centro-Oeste, Sul e Sudeste. O caso mais grave do grupo - a Celpa, distribuidora do Pará, que tem a Eletrobrás como sócia - teve a intervenção adiada, porque está em recuperação judicial. Mas não está livre. Ao divulgar a grave situação financeira do Grupo Rede, cujas dívidas somam R$ 5,7 bilhões, o governo negou ser sua intenção reestatizar o setor elétrico e deliberadamente romper contratos com empresas. O propósito, segundo o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, é garantir o suprimento de energia para a população dos Estados.
    Se assim é, o governo Dilma tem nas mãos uma chance imperdível para resolver um monumental abacaxi que há quase duas décadas faz os brasileiros pagarem dívidas que não são suas e tem causado prejuízos incalculáveis à estatal Eletrobrás. É o caso de oito distribuidoras elétricas pertencentes aos governos do Acre, Alagoas, Amapá, Amazonas, Goiás, Piauí, Rondônia e Roraima. Todas padecem de péssimas e desastradas gestões, marcadas por indevidas interferências de governadores e políticos locais, que delas têm feito instrumentos de barganha política e eleitoral, pondo em risco o suprimento de energia.
    O governo não esclareceu se vai aplicar a MP 577 também para essas distribuidoras. Mas, se não o fizer, dará razão aos que o acusam de estatizante e de violar um sagrado princípio da Constituição segundo o qual "todos são iguais perante a lei". Afinal, se a nova lei vale para empresas privadas, por que não valeria para estatais que há 20 anos praticam gestões bem mais perigosas que as do Grupo Rede?
    Só o lobby bem-sucedido de governadores e políticos interessados nos negócios dessas empresas poderia levar Dilma a não aplicar a MP no caso delas. Seria muito ruim, um retrocesso em sua vitoriosa trajetória de presidente que não teme enfrentamentos políticos - com parlamentares no Congresso, com a elite sindical, com funcionários grevistas e com o próprio PT.
    O governo até pode alegar que seis dessas distribuidoras (Acre, Alagoas, Amazonas, Piauí, Rondônia e Roraima) - federalizadas, ou melhor, empurradas para a Eletrobrás, que injustamente arca com seus prejuízos - já têm solução em andamento. Por causa delas o valor de mercado da gigante Eletrobrás é inferior ao de empresas bem menores, como a Cemig e a CPFL Energia. Mas não há nenhuma razão para não decretar intervenção nas distribuidoras de Goiás e do Amapá, administradas pelos governos estaduais. Inaceitável é o poder concedente (a União) manter a concessão em poder de quem já provou incompetência e má-fé em gestão.
    O caso mais grave é o da Companhia de Eletricidade do Amapá (CEA), uma espécie de saco sem fundo de má gestão, de uso e abuso político, de inadimplência generalizada e uma megadívida de R$ 1 bilhão com a Eletronorte pelo não pagamento de energia.
    Com gestão absolutamente caótica, a CEA foi o primeiro e único caso de pedido de cassação de concessão da história do País. Com o título Um mau exemplo na distribuição de eletricidade, o ex-diretor-geral da Aneel (agora nomeado interventor numa das empresas do Grupo Rede) Jerson Kelman relata o caso CEA em seu livro Desafios do Regulador. Foi Kelman quem pediu a cassação da concessão, em junho de 2007, e o governo Lula negou. Na época, o ministro de Minas e Energia era Silas Rondeau e seu padrinho, o senador José Sarney, que mora e faz política no Maranhão, mas se elege no Amapá. Como fez com Lula, é provável que Sarney agora peça à Dilma para não intervir na CEA.
   A razão da falência é o programa do governo Luz para Viver Melhor, que distribui energia gratuita para a população. Caridade com chapéu alheio, porque quem paga a conta é a Eletronorte, que nada recebe pela energia que fornece. A dívida já soma mais de R$ 1 bilhão e os lesados somos todos nós, brasileiros, donos da Eletronorte.
Do Estadão