O que predominava eram textos sobre a atividade artística, do cinema ao teatro,
da poesia à música
Se houve, na história da imprensa brasileira, uma publicação até certo ponto inusitada por suas qualidades e características intrínsecas, foi a revista "Senhor", cujo primeiro número data de março de 1959 e o último, de janeiro de 1964.
Faço esta constatação ao manusear os dois volumes editados pela Imprensa Oficial do Estado de São Paulo e organizados por Ruy Castro, que nos oferecem a possibilidade de rever e reler algumas das páginas mais inteligentes e divertidas daquela revista que, nos seus cinco anos de vida, imprimiu a nossa imprensa um nível jornalístico, literário e gráfico raramente por ela alcançados.
Ao rever esta espécie de síntese da "Senhor" -de que fui leitor fiel e constante naquela época- surpreendo-me, não obstante, o que indica talvez não ter percebido, então, o que representava ela de audácia e renovação em nossa história editorial.
De fato, o que deu na cabeça de seus criadores e editores para pôr em circulação uma revista que, pelas matérias que trazia e pela imagem gráfica inovadora, não despertaria o interesse do leitor comum? E mais, não tinha ela o propósito jornalístico de cobrir os acontecimentos, o que a distanciava ainda mais daquele leitor.
A resposta a essa minha pergunta quem nos dá é Luiz Lobo, no texto intitulado "A Morte e a Morte da Senhor", de julho de 1999, incluído agora no primeiro volume da referida publicação, quando nos conta que ele, mais Nahum Sirotsky, Carlos Scliar e Paulo Francis, ao se encontrarem para inventar a nova revista, não tinham ideia clara do que deveriam fazer. Cada um deles tinha uma opinião diferente do que deveriam fazer, mas certamente não pretendiam pôr nas bancas de jornais uma revista igual às outras.
A verdade é que, pela heterogeneidade de suas respectivas opiniões quanto a criar uma nova revista naquele Brasil de então, nasceu uma publicação que nenhum empresário, com noção clara do mercado editorial e do hábito de leitura da maioria do público, jamais se disporia a bancar. Não obstante, houve um: Simão Waissman.
Conforme escreveu Nahum Sirotsky, a revista "Senhor" nasceu porque o empresário Simão Waissman, que pretendia criar "a mais interessante revista brasileira de todos os tempos", chamou-o e lhe entregou essa tarefa. Mas Waissman desejava que a revista se pagasse, o que não aconteceria.
Tendo aceito a tarefa, Nahum chamou Carlos Scliar, que chamou Glauco Rodrigues, para bolarem graficamente a revista. Foi feita uma "boneca", montada com recortes de algumas das mais belas publicações internacionais, e Waissman a aprovou.
Diz Nahum que o objetivo era fazer "uma revista que fosse ao mesmo tempo de pesquisas para escritores, artistas, economistas, sociólogos, educadores e que viesse a ser lida pelas pessoas mais responsáveis pela vida nacional, a fim de estimulá-las a considerar com mais seriedade os problemas culturais do país.
Não foi bem isso o que ela se tornou. Nela, de fato, colaboraram figuras representativas dos mais diversos campos da vida cultural brasileira mas, com raras exceções, o que predominava eram os textos sobre a atividade artística, do cinema ao teatro, da poesia à música popular, sem falar nos contos de Clarice Lispector, de João Guimarães Rosa, Scott Fitzgerald, Dorothy Parker e Jorge Amado, além dos ensaios de Armando Nogueira sobre o futebol de Pelé e Didi, ao lado de artigos sobre a Revolução Cubana, as Ligas Camponesas e a Guerra Fria, que opunha Khruschov a Eisenhower.
E, no meio de tudo isso, poemas de Carlos Drummond de Andrade e Mao Tsé-Tung, charges de Jaguar e ilustração de Glauco. Já está bom ou quer mais?
Evidentemente, não dava para concorrer com a "Manchete", que custava Cr$ 40 enquanto a "Senhor" custava Cr$ 70. Por isso mesmo, creio eu, com um ano, Waissman desistiu e vendeu a revista que, mesmo assim, sobreviveu por mais quatro anos.
Mas a gente de hoje certamente nem ouviria falar agora da "Senhor", não fosse uma menina de seis anos ter se encantado por ela naquela época. Essa menina era Maria Amélia Mello, que hoje, já crescidinha, tomou a iniciativa de ressuscitá-la, nesta edição encantada que tenho agora em minhas mãos.
Da Folha
Se houve, na história da imprensa brasileira, uma publicação até certo ponto inusitada por suas qualidades e características intrínsecas, foi a revista "Senhor", cujo primeiro número data de março de 1959 e o último, de janeiro de 1964.
Faço esta constatação ao manusear os dois volumes editados pela Imprensa Oficial do Estado de São Paulo e organizados por Ruy Castro, que nos oferecem a possibilidade de rever e reler algumas das páginas mais inteligentes e divertidas daquela revista que, nos seus cinco anos de vida, imprimiu a nossa imprensa um nível jornalístico, literário e gráfico raramente por ela alcançados.
Ao rever esta espécie de síntese da "Senhor" -de que fui leitor fiel e constante naquela época- surpreendo-me, não obstante, o que indica talvez não ter percebido, então, o que representava ela de audácia e renovação em nossa história editorial.
De fato, o que deu na cabeça de seus criadores e editores para pôr em circulação uma revista que, pelas matérias que trazia e pela imagem gráfica inovadora, não despertaria o interesse do leitor comum? E mais, não tinha ela o propósito jornalístico de cobrir os acontecimentos, o que a distanciava ainda mais daquele leitor.
A resposta a essa minha pergunta quem nos dá é Luiz Lobo, no texto intitulado "A Morte e a Morte da Senhor", de julho de 1999, incluído agora no primeiro volume da referida publicação, quando nos conta que ele, mais Nahum Sirotsky, Carlos Scliar e Paulo Francis, ao se encontrarem para inventar a nova revista, não tinham ideia clara do que deveriam fazer. Cada um deles tinha uma opinião diferente do que deveriam fazer, mas certamente não pretendiam pôr nas bancas de jornais uma revista igual às outras.
A verdade é que, pela heterogeneidade de suas respectivas opiniões quanto a criar uma nova revista naquele Brasil de então, nasceu uma publicação que nenhum empresário, com noção clara do mercado editorial e do hábito de leitura da maioria do público, jamais se disporia a bancar. Não obstante, houve um: Simão Waissman.
Conforme escreveu Nahum Sirotsky, a revista "Senhor" nasceu porque o empresário Simão Waissman, que pretendia criar "a mais interessante revista brasileira de todos os tempos", chamou-o e lhe entregou essa tarefa. Mas Waissman desejava que a revista se pagasse, o que não aconteceria.
Tendo aceito a tarefa, Nahum chamou Carlos Scliar, que chamou Glauco Rodrigues, para bolarem graficamente a revista. Foi feita uma "boneca", montada com recortes de algumas das mais belas publicações internacionais, e Waissman a aprovou.
Diz Nahum que o objetivo era fazer "uma revista que fosse ao mesmo tempo de pesquisas para escritores, artistas, economistas, sociólogos, educadores e que viesse a ser lida pelas pessoas mais responsáveis pela vida nacional, a fim de estimulá-las a considerar com mais seriedade os problemas culturais do país.
Não foi bem isso o que ela se tornou. Nela, de fato, colaboraram figuras representativas dos mais diversos campos da vida cultural brasileira mas, com raras exceções, o que predominava eram os textos sobre a atividade artística, do cinema ao teatro, da poesia à música popular, sem falar nos contos de Clarice Lispector, de João Guimarães Rosa, Scott Fitzgerald, Dorothy Parker e Jorge Amado, além dos ensaios de Armando Nogueira sobre o futebol de Pelé e Didi, ao lado de artigos sobre a Revolução Cubana, as Ligas Camponesas e a Guerra Fria, que opunha Khruschov a Eisenhower.
E, no meio de tudo isso, poemas de Carlos Drummond de Andrade e Mao Tsé-Tung, charges de Jaguar e ilustração de Glauco. Já está bom ou quer mais?
Evidentemente, não dava para concorrer com a "Manchete", que custava Cr$ 40 enquanto a "Senhor" custava Cr$ 70. Por isso mesmo, creio eu, com um ano, Waissman desistiu e vendeu a revista que, mesmo assim, sobreviveu por mais quatro anos.
Mas a gente de hoje certamente nem ouviria falar agora da "Senhor", não fosse uma menina de seis anos ter se encantado por ela naquela época. Essa menina era Maria Amélia Mello, que hoje, já crescidinha, tomou a iniciativa de ressuscitá-la, nesta edição encantada que tenho agora em minhas mãos.
Da Folha