Visitante entra sem ser revistado em cadeia palco de mortes no Maranhão
Sem se identificar, repórteres da Folha ingressam no complexo de Pedrinhas com celulares
Casa de Detenção teve rebelião com dez mortos em outubro; governo diz que vai investigar falha
JULIANA COISSI MARLENE BERGAMOENVIADAS ESPECIAIS A SÃO LUÍS (MA)
A crise sem precedentes no sistema penitenciário do Maranhão não foi suficiente para reverter a frágil segurança na entrada e saída do complexo de Pedrinhas, em São Luís, onde 62 pessoas foram assassinadas desde 2013.
Ontem, a Folha entrou sem ser incomodada na Casa de Detenção, uma das principais unidades do conjunto de cadeias maranhense.
O presídio foi palco, em outubro passado, de uma rebelião com dez mortos e dezenas de feridos, que resultou, entre outras consequências, no envio da Força Nacional de Segurança ao Estado, administrado pela governadora Roseana Sarney (PMDB).
A chegada dos jornalistas à portaria da Casa de Detenção ocorreu ao lado de um grupo de religiosos, que participariam de um culto evangélico pouco depois.
Na portaria, um pedido a todos feito pelo responsável pelo local: "Celulares e RGs aqui [na mesa], por favor".
Repórter e repórter-fotográfica, que entraram na unidade sem se identificar como jornalistas, entregaram os documentos, mas deixaram os celulares nos bolsos.
Ultrapassada a portaria, nos 20 minutos seguintes a Folha circulou livremente pelos pavilhões, conversou com detentos, leu anotações pessoais e registrou parte da cerimônia religiosa.
Em nenhum momento, os visitantes foram revistados, submetidos a detectores de metais ou a qualquer outro procedimento padrão de segurança em penitenciárias.
Após o início da crise em Pedrinhas, uma operação policial apreendeu um arsenal com cerca de 300 armas no interior do complexo.
Com os detentos, foram achados facas, facões, estiletes e até um vergalhão com a ponta raspada, que funcionava como uma lança.
Também foram recolhidos 42 celulares, além de drogas.
Após os recentes motins, a Casa de Detenção transferiu alguns presos. Hoje abriga cerca de 200 homens, a metade de sua capacidade.
No corredor rumo aos pavilhões, a impressão é de uma cadeia que tenta se reerguer.
Alguns presos circulam em meio a agentes penitenciários. Outros estão trancados em celas com cinco pessoas.
Mais à frente, o culto improvisado ocorre no pátio de visitas do pavilhão F. A partir desta semana, pastores lançaram o projeto Ore Pedrinhas, com celebrações para apoio espiritual aos detidos.
Na unidade vizinha do mesmo complexo, o CDP (Centro de Detenção Provisória), três presos foram decapitados em rebelião em dezembro do ano passado.
As rebeliões deixaram marcas não apenas na estrutura física. Presos que assistiram cenas de barbárie nos motins buscam apoio na religião.
"Estou até em depressão com essas mortes", diz um detento, sem se identificar.
A reportagem o encontrou com a Bíblia nas mãos, sentado no chão da Casa de Oração, o templo que ficou intacto. Ao lado, o livro "Eu Deveria Estar Morto", do ex-presidiário e hoje pastor norte-americano Damien Jackson.
O preso disse que, em dois anos, testemunhou duas rebeliões. "A primeira foi só quebra-quebra. Na outra [em outubro], carreguei pessoa morta, esfaqueada, baleada, com perna e braço quebrados."
Em rede social, Dilma quebra silêncio sobre crise
NATUZA NERY MÁRCIO FALCÃODE BRASÍLIA
A presidente Dilma Rousseff quebrou o silêncio sobre a crise da segurança pública no Maranhão e afirmou ontem, pelo Twitter, que tem "acompanhado com atenção a questão" do Estado.
Para não melindrar a governadora Roseana Sarney (PMDB), cujo apoio eleitoral é considerado estratégico, Dilma havia adotado cuidado e determinado a seus ministros poucas palavras sobre o caos nas prisões maranhenses.
Não houve barulho. Nem mesmo quando a Folha revelou o vídeo com presos exibindo rivais decapitados tal qual troféus.
No Palácio do Planalto, diz-se que o governo está "pisando em ovos" para não ferir a sensibilidade da família Sarney, cara ao projeto de reeleição do PT.
Nos bastidores, auxiliares presidenciais assim definem o grau de instabilidade: se o governo fizer demais, Roseana reclamará de intervenção. Se fizer de menos, de abandono.
"Tenho acompanhado com atenção a questão da segurança no Maranhão. Em dezembro determinei o envio da Força Nacional para apoiar as ações de segurança do governo do Maranhão", disse ontem a presidente no microblog.
Na quinta-feira, o governo mostrou-se mais reativo. Dilma enviou o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, ao Maranhão para discutir a crise com Roseana. A ministra Maria do Rosário (Direitos Humanos) reuniu o Conselho de Direitos de Defesa da Pessoa Humana, que cobrou um plano emergencial do Estado para o problema.
Até então, somente Maria do Rosário havia falado. Cardozo emitira notas.
Na rede social, Dilma destacou também que o governo ofereceu vagas em presídios federais para transferência de presos do Maranhão e disse que aumentará o efetivo da Força Nacional no Estado.
Apesar do recesso parlamentar, a Comissão de Direitos Humanos do Senado decidiu realizar na segunda-feira uma visita ao presídio de Pedrinhas.
Os parlamentares vão reunir informações para um eventual posicionamento sobre uma intervenção federal no Estado, que vem sendo analisada pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot.
OUTRO LADO
Governo diz que vai apurar falhas de controle em presídio
DAS ENVIADAS A SÃO LUÍS
O governo do Estado do Maranhão informou ontem que a a Sejap [Secretaria da Justiça e da Administração Penitenciária] abrirá um procedimento para apurar as falhas no controle na entrada do complexo prisional de Pedrinhas, em São Luís.
As cadeias de Pedrinhas formam o maior complexo para presos do Maranhão.
Segundo a assessoria de imprensa da gestão, o procedimento padrão permite que apenas "autoridades públicas e pessoas devidamente cadastradas" possam ingressar no conjunto de cadeias sem passar por revista.
Ainda de acordo com o governo do Estado, esses procedimentos de segurança estão especificados em portaria que disciplina o acesso ao complexo penitenciário.
"Quanto à entrada da reportagem sem a devida identificação e revista, inclusive tendo se deslocado com dois telefones até a área do pavilhão, a Sejap realizará procedimento administrativo de investigação", informou a Secretaria de Comunicação do Maranhão.
A segurança dos presídios do MA tem sido feita pela PM e pela Força Nacional.
RECURSOS FEDERAIS
Estado teve o menor repasse para prisões
O Maranhão foi o Estado que menos recebeu recursos do Ministério da Justiça para reformar, ampliar e construir prisões nos últimos dois anos. De R$ 1,2 bilhão repassado desde 2011, levou menos de 0,6% (R$ 7 milhões). A pasta diz que a verba depende da aprovação de projetos apresentados pelos governos locais.