Diferentemente dos que cantaram e exaltaram a sua terra, João Francisco Lisboa e o autor de O mulato, cada um a seu modo, retrataram o Maranhão no que este possuía de mais reprovável em matéria de usos e costumes sociais e métodos políticos. E, no entanto, poucos maranhenses são dignos da admiração devida, com inteira justiça, a eles dois.
Nas páginas do Timon, o Maranhão que emerge é o da patuleia ignara,
manipulada pelos poderosos de ocasião; o dos partidos de aluguel e dos
políticos corruptos; do jornalismo venal de baixa qualidade e do judiciário sem
escrúpulos. O estudo “Eleições e partidos políticos no Maranhão” é uma caricatura
que se ajusta a qualquer sociedade da época, e não exclusivamente à do
Maranhão, mas é este “obscuro recanto do mundo” que serve de modelo àquele
retrato perturbador.
Ao publicar O mulato, em 1881, e ao longo do ano anterior, em artigos para O Pensador, Aluísio Azevedo abalou os alicerces da sociedade conservadora do Maranhão, denunciando o clero e a burguesia arrogante, escravista, racista e retrógrada de uma São Luís decadente do final do século XIX.
Em reação, representantes do clero moveram violenta campanha de descrédito contra o escritor, que acabou deixando a sua terra para nunca mais voltar. Morreu longe do Maranhão, em Buenos Aires, quando o Brasil já reconhecia unanimemente a importância de sua contribuição para a literatura nacional. Anos depois, ainda curando as feridas do ressentimento, a sociedade de São Luís recebeu, com honras, os seus restos mortais, trasladados para o Cemitério do Gavião por iniciativa do escritor Coelho Neto. O Maranhão reconciliava-se com o seu grande romancista.
Com João Francisco Lisboa, a quem, por suas ideias políticas, foi negada a oportunidade de concorrer à Assembleia Geral do Império, não houve propriamente reconciliação, pois, embora tanto reprovasse a província, impunha-se, pela elevação do seu espírito e a sua estatura moral e intelectual, ao respeito dos seus contemporâneos. Após a sua morte, publicaram-lhe a obra completa e, em seguida, ergueram-lhe a estátua majestosa que domina a paisagem da praça que leva o seu nome, no coração de São Luís.
De certo modo, Lisboa antecipara esse juízo, quando, dirigindo-se aos leitores do Jornal de Tímon, advertira que eram a corrupção e o vício, entranhados na sociedade da época, que deveriam envergonhar, “e não a exprobração severa, imparcial e desinteressada que Tímon arremessa sem hesitar à face de todas elas, e da qual se sente por antecipação absolvido no tribunal de uma opinião esclarecida, como já o está pela sua própria consciência”.
Compreendeu-se que, homens do seu tempo, João Francisco Lisboa e Aluísio Azevedo, a par o terem construído uma obra admirável, haviam contribuído, com suas observações agudas e incômodas, porém sinceras e verdadeiras, para o aprimoramento moral e espiritual da sociedade em que viveram. Haverá quem sustente, não sem exagero, que as eleições e os partidos políticos, retratados com crueza por Lisboa, pouco evoluíram nos últimos cem anos, mas é inegável a contribuição de O mulato para a extinção da maior chaga moral do Maranhão e de todo o Brasil daqueles tempos: a escravidão, abolida sete anos depois.
A coincidência do centenário da morte de um como sesquicentenário da morte do outro é bom pretexto para revisitarmos a obra desses dois maranhenses, notáveis pelo talento e pelo poder transformador das ideias que defenderam.
Pois é certo que, sem a crítica severa de Lisboa e a literatura engajada de Aluísio Azevedo - esta, guiada por um iluminismo tardio, que embasou o seu combate contra o preconceito racial - a história da literatura e do jornalismo do Maranhão seria infinitamente mais pobre.
E estaríamos, desde aqueles tempos, condenados a viver, como nos versos de Bandeira Tribuzi, de “sonhos de futuro e glórias do passado”.
De O Estado do Marahão
Ao publicar O mulato, em 1881, e ao longo do ano anterior, em artigos para O Pensador, Aluísio Azevedo abalou os alicerces da sociedade conservadora do Maranhão, denunciando o clero e a burguesia arrogante, escravista, racista e retrógrada de uma São Luís decadente do final do século XIX.
Em reação, representantes do clero moveram violenta campanha de descrédito contra o escritor, que acabou deixando a sua terra para nunca mais voltar. Morreu longe do Maranhão, em Buenos Aires, quando o Brasil já reconhecia unanimemente a importância de sua contribuição para a literatura nacional. Anos depois, ainda curando as feridas do ressentimento, a sociedade de São Luís recebeu, com honras, os seus restos mortais, trasladados para o Cemitério do Gavião por iniciativa do escritor Coelho Neto. O Maranhão reconciliava-se com o seu grande romancista.
Com João Francisco Lisboa, a quem, por suas ideias políticas, foi negada a oportunidade de concorrer à Assembleia Geral do Império, não houve propriamente reconciliação, pois, embora tanto reprovasse a província, impunha-se, pela elevação do seu espírito e a sua estatura moral e intelectual, ao respeito dos seus contemporâneos. Após a sua morte, publicaram-lhe a obra completa e, em seguida, ergueram-lhe a estátua majestosa que domina a paisagem da praça que leva o seu nome, no coração de São Luís.
De certo modo, Lisboa antecipara esse juízo, quando, dirigindo-se aos leitores do Jornal de Tímon, advertira que eram a corrupção e o vício, entranhados na sociedade da época, que deveriam envergonhar, “e não a exprobração severa, imparcial e desinteressada que Tímon arremessa sem hesitar à face de todas elas, e da qual se sente por antecipação absolvido no tribunal de uma opinião esclarecida, como já o está pela sua própria consciência”.
Compreendeu-se que, homens do seu tempo, João Francisco Lisboa e Aluísio Azevedo, a par o terem construído uma obra admirável, haviam contribuído, com suas observações agudas e incômodas, porém sinceras e verdadeiras, para o aprimoramento moral e espiritual da sociedade em que viveram. Haverá quem sustente, não sem exagero, que as eleições e os partidos políticos, retratados com crueza por Lisboa, pouco evoluíram nos últimos cem anos, mas é inegável a contribuição de O mulato para a extinção da maior chaga moral do Maranhão e de todo o Brasil daqueles tempos: a escravidão, abolida sete anos depois.
A coincidência do centenário da morte de um como sesquicentenário da morte do outro é bom pretexto para revisitarmos a obra desses dois maranhenses, notáveis pelo talento e pelo poder transformador das ideias que defenderam.
Pois é certo que, sem a crítica severa de Lisboa e a literatura engajada de Aluísio Azevedo - esta, guiada por um iluminismo tardio, que embasou o seu combate contra o preconceito racial - a história da literatura e do jornalismo do Maranhão seria infinitamente mais pobre.
E estaríamos, desde aqueles tempos, condenados a viver, como nos versos de Bandeira Tribuzi, de “sonhos de futuro e glórias do passado”.
De O Estado do Marahão