Em entrevista, o poeta diz que sua peça "O Homem como Invenção de Si Mesmo" é
tese em forma de monólogo
Publicado nesta semana, texto será encenado em 2013 com interpretação do ator
Osmar Prado
GUSTAVO FIORATTI ENVIADO ESPECIAL
AO RIO
Após "Romance Nordestino" (1986), Ferreira Gullar deixou de lado a obra
dramatúrgica que desenvolvia desde os anos 1960. Mas, em 2003, o poeta voltou a
escrever para teatro, e a retomada foi marcada por "O Homem como Invenção de Si
Mesmo", publicada pela editora José Olympio nesta semana.
A peça será encenada no ano que vem por Robson Phoenix, com cenário de Siron
Franco. Em entrevista, Gullar, 82, colunista da Folha, fala sobre esse e
outros temas, como a morte de Oscar Niemeyer.
Folha - Por que tanto tempo sem escrever para teatro?
Ferreira Gullar - Não sei. A pergunta poderia ser: 'E por que escrever
para teatro?'.
A peça fala sobre Deus como uma invenção do homem...
Não acredito na existência de Deus. Mas acho natural que as pessoas
acreditem. Acho que essa persistência na crença em Deus significa que o homem
não sabe o que está fazendo aqui. Que sentido a vida tem? Não tem resposta. Por
que existo? Não tem resposta. Deus, além de ser o socorro, é a resposta a
perguntas sem respostas.
Ironizar o tema é uma maneira de se distanciar?
Não transformei a coisa em piada. Minha teoria vira algo engraçado na boca do
personagem. Mas não tenho por objetivo ironizar minha visão. A peça fala que a
vida é inventada e coloca a religião como mais uma invenção. A ciência é outra,
a filosofia é outra, a arte é outra. São coisas que o homem inventou, assim como
inventou as cidades, que são um produto extraordinário do conhecimento, de
invenções sucessivas durante os séculos.
Após se debruçar sobre mitos e valores culturais, a peça fala sobre o
amor. O sr. considera o amor uma invenção?
O amor é algo fundamental ao ser humano. É parte dessa vida inventada e das
necessidades que o ser humano tem. Uma das formas de inventar sua vida é no
relacionamento com os outros seres humanos. Como eu não acredito em Deus, o
sentido da vida para mim é o outro. É o outro que testemunha minha existência e
meu possível valor como ser humano. Aquele que ninguém reconhece fica precário
em sua situação como ser humano.
O sr. pensa na morte?
Faço o possível para não pensar. Mas, com 82 anos, ela vai se tornando cada
dia mais presente. E invade a nossa vida independentemente de nossa vontade.
Com a morte de amigos?
Sim. Como aconteceu com o Oscar [Niemeyer], meu amigo por tantos anos... A
morte pode ser esperada, e o Oscar estava com 104 anos. Mas ela é sempre
inaceitável. Você sabe que tem que acontecer, e ela é sempre inaceitável.
Qual foi a última vez que o sr. falou com o arquiteto?
Fazia um tempo. Ele era bastante convicto da ideologia dele. E eu não.
Comecei a criticar o marxismo, inclusive na Folha, e então ele esfriou
porque comecei a criticar o Lula. Caiu o muro, acabou a União Soviética, daí o
cara que acreditava naquilo vai acreditar em quê? No Lula, né? Mas eu fui lá, ao
velório, e desatei em soluços.
Vocês discutiram sobre as diferenças ideológicas?
O Oscar não era disso, só parou de fazer contato. Eu sabia que poderia
ocorrer, mas não deixo de dizer o que penso. Se nem a ditadura me calou...