Assim como a imprensa pode tirar a Constituição do papel, tira também o papel da
Constituição
Já que o ministro Carlos Ayres Britto é do Supremo
Tribunal Federal, mas não se sente sob perseguições, e muito menos imagina que
queiram "destruí-lo", acredito não haver risco em negar a ideia que faz da
imprensa. E nela, sobretudo, da relação entre imprensa e democracia.
O ministro falou no 5º Congresso Brasileiro da Indústria de Comunicação, no qual também esteve o bispo Desmond Tutu. Foi o presidente da Comissão da Verdade e Reconciliação criada na África do Sul, em 1995, por Nelson Mandela.
Espera da nossa Comissão da Verdade que busque "curar as feridas de uma nação traumatizada". A idade não lhe diminuiu a percepção nem a determinação de dizer as palavras adequadas.
Em seu tema, o ministro Ayres Britto não se limitou à esperança. Tem a convicção de que "a metáfora de que a imprensa e a democracia são irmãs siamesas não é exagerada. É, de fato, um vínculo umbilical, a ponto de que, se for cortado esse cordão, é a morte das duas -da imprensa e da democracia".
A relação siamesa entre imprensa e democracia não se ajusta, no entanto, aos 21 anos brasileiros entre 1964 e 1985, por exemplo.
Não só ao decorrer do período, mas também àquilo mesmo que lhe deu origem.
Durante os 21 anos sem nem sequer os seus mínimos componentes da democracia, a imprensa brasileira (vamos englobar assim jornais, TV, revistas e rádio) teve lucros e outros enriquecimentos maiores, muito maiores, do que em qualquer fase anterior na sua história.
A par desse benefício generalizado, quanto mais próximo e a serviço do regime antidemocrático, maior a compensação.
Tanto a proporcionada diretamente ou indiretamente por ligação ao poder, como pela preferência publicitária por meios de comunicação identificados com o regime. Do qual a publicidade foi instrumento fundamental, talvez decisivo.
Mais importante jornal em todos aqueles anos, o "Jornal do Brasil", como principal órgão criador de opinião pró iniciativas do regime ("milagre brasileiro", "Brasil grande", a designação de "terroristas" para os oposicionistas, nem todos armados, e muito mais) proporcionou o exemplo definitivo da ligação ideológica-econômica dos meios de comunicação com a antidemocracia.
Habituara-se tanto aos ganhos estupendos e fáceis com sua posição, que, vinda a democracia, foi rápido para o colapso. Não o único a seguir tal percurso.
"A censura à imprensa teve duração pequena" -é uma afirmação muito repetida sob variadas formas. E inverdadeira.
Todo o período ditatorial foi atravessado por uma modalidade de censura sem evidência pública: o afastamento, impositivo sobre as direções ou proprietários, de jornalistas profissionais.
A base da convicção "siamesa" de Ayres Britto está na ideia de que, "por ser a instância que oferta à população uma alternativa, uma explicação diferente da que o governo dá aos fatos, a imprensa tira a Constituição do papel, vitaliza a Constituição".
Está na história: assim como a imprensa pode tirar a Constituição do papel, tira também o papel da Constituição, na sociedade e no país. A força agitadora para a preparação do golpe de 64 foi a imprensa. Com agitação diuturna.
Todos os demais agentes foram insignificantes em comparação com a imprensa, e dependentes dela. Quando ganharam significação, já a imprensa e o golpismo estavam muito à sua frente, vindo apenas a aproveitar, para a consumação do seu propósito, os múltiplos e estimulantes erros da chamada "esquerda".
A Constituição vigente até 64 foi rasgada, muito antes, pela imprensa. A pregação de Carlos Lacerda, de brilho incomum, afrontava a democracia e, pelas leis de então, como seria pelas atuais, era crime indiscutível contra a Constituição já desde os primeiros anos 50.
E seus seguidores, só por sê-lo, puderam multiplicar a ação agitadora em jornais, TV, rádio e Forças Armadas tão sem incômodo quanto seu líder.
Se há siameses na relação de imprensa e democracia, então são trigêmeas. A imprensa tem, de um lado, a democracia e, de outro, o regime de prepotência. O que vier estará bom. E exceção na imprensa, se houver, não passa de exceção.
O ministro falou no 5º Congresso Brasileiro da Indústria de Comunicação, no qual também esteve o bispo Desmond Tutu. Foi o presidente da Comissão da Verdade e Reconciliação criada na África do Sul, em 1995, por Nelson Mandela.
Espera da nossa Comissão da Verdade que busque "curar as feridas de uma nação traumatizada". A idade não lhe diminuiu a percepção nem a determinação de dizer as palavras adequadas.
Em seu tema, o ministro Ayres Britto não se limitou à esperança. Tem a convicção de que "a metáfora de que a imprensa e a democracia são irmãs siamesas não é exagerada. É, de fato, um vínculo umbilical, a ponto de que, se for cortado esse cordão, é a morte das duas -da imprensa e da democracia".
A relação siamesa entre imprensa e democracia não se ajusta, no entanto, aos 21 anos brasileiros entre 1964 e 1985, por exemplo.
Não só ao decorrer do período, mas também àquilo mesmo que lhe deu origem.
Durante os 21 anos sem nem sequer os seus mínimos componentes da democracia, a imprensa brasileira (vamos englobar assim jornais, TV, revistas e rádio) teve lucros e outros enriquecimentos maiores, muito maiores, do que em qualquer fase anterior na sua história.
A par desse benefício generalizado, quanto mais próximo e a serviço do regime antidemocrático, maior a compensação.
Tanto a proporcionada diretamente ou indiretamente por ligação ao poder, como pela preferência publicitária por meios de comunicação identificados com o regime. Do qual a publicidade foi instrumento fundamental, talvez decisivo.
Mais importante jornal em todos aqueles anos, o "Jornal do Brasil", como principal órgão criador de opinião pró iniciativas do regime ("milagre brasileiro", "Brasil grande", a designação de "terroristas" para os oposicionistas, nem todos armados, e muito mais) proporcionou o exemplo definitivo da ligação ideológica-econômica dos meios de comunicação com a antidemocracia.
Habituara-se tanto aos ganhos estupendos e fáceis com sua posição, que, vinda a democracia, foi rápido para o colapso. Não o único a seguir tal percurso.
"A censura à imprensa teve duração pequena" -é uma afirmação muito repetida sob variadas formas. E inverdadeira.
Todo o período ditatorial foi atravessado por uma modalidade de censura sem evidência pública: o afastamento, impositivo sobre as direções ou proprietários, de jornalistas profissionais.
A base da convicção "siamesa" de Ayres Britto está na ideia de que, "por ser a instância que oferta à população uma alternativa, uma explicação diferente da que o governo dá aos fatos, a imprensa tira a Constituição do papel, vitaliza a Constituição".
Está na história: assim como a imprensa pode tirar a Constituição do papel, tira também o papel da Constituição, na sociedade e no país. A força agitadora para a preparação do golpe de 64 foi a imprensa. Com agitação diuturna.
Todos os demais agentes foram insignificantes em comparação com a imprensa, e dependentes dela. Quando ganharam significação, já a imprensa e o golpismo estavam muito à sua frente, vindo apenas a aproveitar, para a consumação do seu propósito, os múltiplos e estimulantes erros da chamada "esquerda".
A Constituição vigente até 64 foi rasgada, muito antes, pela imprensa. A pregação de Carlos Lacerda, de brilho incomum, afrontava a democracia e, pelas leis de então, como seria pelas atuais, era crime indiscutível contra a Constituição já desde os primeiros anos 50.
E seus seguidores, só por sê-lo, puderam multiplicar a ação agitadora em jornais, TV, rádio e Forças Armadas tão sem incômodo quanto seu líder.
Se há siameses na relação de imprensa e democracia, então são trigêmeas. A imprensa tem, de um lado, a democracia e, de outro, o regime de prepotência. O que vier estará bom. E exceção na imprensa, se houver, não passa de exceção.
Da Folha de S. Paulo