Em menos de um mês, Anacleta Pires da Silva, Elias PiresBelfort e Joércio Pires da Silva, lideranças do Território Quilombola Santa Rosa dos Pretos (Itapecuru-Mirim/MA), foram intimados três vezes a comparecerem à 2ª Delegacia Regional de Polícia Civil de Itapecuru-Mirim/MA (Superintendência de Polícia Civil do Interior) para “prestar esclarecimento sobre o assunto de interesse da Justiça, devendo apresentar documento de identidade pessoal.” Ainda segundo o documento da polícia enviado às lideranças, “o não cumprimento ao presente MANDADO caracteriza crime de Desobediência”.
Nas três intimações enviadas às lideranças não foram apresentados os motivos que as justificavam. Apenas no dia 29 de abril, quando Elias e Joércio compareceram à delegacia e prestaram depoimento, é que ficaram sabendo do que se tratava a denúncia: estavam sendo acusados de destruir uma ponte que dava acesso a uma fazenda instalada de forma ilegal dentro do território quilombola, e de ameaçarem o suposto dono da propriedade e seu capataz. Anacleta estava em compromisso profissional, em reunião da Secretaria de Educação do Estado, e não pôde comparecer à delegacia.
Mesmo com os devidos depoimentos prestados, as lideranças foram novamente convocadas a prestar esclarecimentos de interesse da Justiça. No Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO) n° 0801264-84.2021.8.10.0048 registrado contra Anacleta, Elias e Joércio, não consta sequer a indicação de testemunhas que comprovem qualquer participação dos acusados nos atos dos quais estão sendo acusados. A testemunha que relata as acusações é capataz do suposto proprietário.
Algo muito parecido já aconteceu com as mesmas lideranças – com exceção de Joércio Pires. Em 2014, a mineradora transnacional Vale processou Anacleta, Elias e outras lideranças do território quilombola com base em um boletim de ocorrência lavrado por um funcionário da empresa alegando que os acusados estavam bloqueando os trilhos da Estrada de Ferro Carajás em uma manifestação. A “prova” da acusação era uma foto em que cerca de 20 pessoas aparecem todas de costas. (https://theintercept.com/2018/08/13/vale-quilombos-maranhao/)
A fazenda em questão está entre outras que foram desapropriadas em 2015, por meio de decreto presidencial, para fins de titulação do Território Quilombola Santa Rosa dos Pretos. A fazenda está dentro do território quilombola, e está sujeita ao processo de desintrusão para que as terras onde se assenta, pertencentes aos quilombolas, voltem para o domínio do povo preto por meio de processo já instalado junto ao INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária). A morosidade e omissão do INCRA, órgão federal, em executar os processos de titulação de territórios quilombolas tem levado, não apenas em Santa Rosa dos Pretos, mas em diversos territórios quilombolas, a um acirramento de conflitos, violência e mortes de lideranças pretas.
No Brasil são históricos e conjunturais os processos de criminalização e de perseguição contra quem luta pelo direito à terra e ao território. Nesse processo, o poder público, representado por governos e polícias, junto a grileiros e cartórios, sempre empreenderam uma guerra contra o povo preto.
No Maranhão, principalmente no município de Itapecuru-Mirim, onde está o Território Quilombola Santa Rosa dos Pretos, essas violências e violações aumentaram consideravelmente nos últimos anos e, agora, no contexto da pandemia.
Há mais de 4 décadas, o Território Quilombola Santa Rosa dos Pretos tem sido palco de intensos conflitos agrários, com muitas ameaças e processos de criminalização de suas lideranças. Ao longo do ano de 2021, houve um grave recrudescimento do conflito envolvendo os quilombolas, em razão da duplicação da BR-135 e da compra e venda clandestina de lotes no interior do território.
Nesse contexto, denunciamos que no Maranhão o INCRA não cumpre seu papel com eficiência sobre as políticas fundiárias, o que favorece o aumento da grilagem, o agravamento de antigas violências e o surgimento de novas ameaças às lideranças quilombolas. O que vem acontecendo em Santa Rosa dos Pretos é reflexo do abuso do exercício do poder público em todo o país.
Exigimos a suspensão dessas denúncias caluniosas e a criminalização dessas violências contra os defensores das terras de preto no estado. Exigimos a titulação definitiva do Território Quilombola Santa Rosa dos Pretos e a devolução das terras que foram griladas.
Território Quilombola Santa Rosa dos Pretos, 13 de maio de 2021.