Por Celso Lafer*, Joaquim Falcão** e Tercio Sampaio Ferraz Jr.***
Os senadores Alessandro Vieira e Jorge Kajuru acionaram o Supremo sobre uma conduta omissiva do presidente do Senado em instalar CPI regularmente proposta.
O ministro Luís Roberto Barroso, relator do feito, constatou o preenchimento dos três requisitos da Constituição para a instalação da CPI: assinaturas suficientes de senadores, objeto determinado e relevante — o combate à pandemia — e prazo certo.
A Constituição regula todas as condutas. Estipula o que devemos, não devemos ou podemos fazer. Ação e omissão. Regula, portanto, no caso em questão, a omissão do presidente do Senado.
A decisão do ministro Barroso é estrita aplicação de uma norma constitucional. Regra destituída de ativismo judicial e de sua margem de apreciação. É coerente com entendimentos do Supremo. Consagra o mecanismo de fiscalização e controle da ação do Executivo que está ao alcance da oposição. É parte das regras da democracia, como ensina Bobbio.
A partir do comando constitucional, nem o ministro Barroso, nem o próprio plenário do Supremo, ou mesmo os presidentes da Câmara e do Congresso, nem também o presidente da República podem ser omissos. Têm que obedecer. Podem até discordar como pessoas físicas. Mas não podem usar os cargos que detêm para ser contra ou obstar esse comando. Inclusive por negociações, pressões, aliciamentos à luz das noites.
Do lado do presidente do Senado, é preciso afastar a justificativa de que a obediência ao artigo 58, §3º, da Constituição admite o juízo da conveniência ou oportunidade da CPI. Não admite. Argumentar que, em tempo de pandemias, não se podem abrir CPIs porque não é conveniente ou oportuno cria, no mínimo, um argumento circular: em tempo de pandemia não se podem investigar pandemias! Além de sofisma, estaria sendo esvaziada a garantia constitucional das minorias.
A ordem judicial de instalar a CPI, uma vez concedida, tem que ser cumprida de boa-fé pelos três Poderes, nos limites do objeto e prazo determinados. Ela também encerra o prazo constitucional para senadores voluntariamente retirarem suas assinaturas. O que está feito não pode ser desfeito. Se o senador tivesse retirado sua assinatura antes da ordem judicial, estaria ainda no seu período de discricionariedade. Agora não mais.
Mas, se o fizer, estará, no mínimo, tentando burlar a ordem. Dificultando a implementação da Justiça. Impedir o funcionamento regular da CPI, neste momento, é impedir a implementação regular da Constituição.
A CPI só poderá ser encerrada ou suspensa com obediência aos procedimentos jurídicos que a regem. Mesmo a suspensão não pode correr risco de ser um simulacro. Tem que ser votada pelos membros da Comissão, bem fundamentada e por prazo determinado. Não pode ser um ato arbitrário ou simples reação instantânea.
Já os comentários do presidente da República, amplificados pelos seus acólitos, com sua reação ad hominem, voltada para a pessoa do ministro Barroso, e não para os fundamentos da decisão, são graves. Ameaçou inclusive com impeachment de ministros do Supremo.
Essa grave ameaça passa a ter um efeito reverso. A Constituição capitula como crime de responsabilidade os atos do presidente da República que atentam ao livre exercício do Poder Judiciário e ao cumprimento das leis e decisões judiciais. É crime o uso de violência ou ameaça, para constranger juiz, ou jurado, a proferir ou deixar de proferir despacho, sentença ou voto. Ou seja, não é necessário executar a ameaça. Basta ameaçar.
Proíbe também o presidente da República de proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo. A tripartição dos Poderes não é terreno de disputas entre vizinhos mal-humorados.
Antônio Houaiss define decoro como o acatamento das normas morais, seriedade de maneira, compostura. Pertinente aqui um sempre alerta do decano, o ministro Marco Aurélio. Há um preço módico para vivermos em um estado democrático de direito: o respeito irrestrito às regras em vigor.
*Professor emérito da Faculdade de Direito da USP/SP
**Jurista e membro da Academia de Brasileira de Letras
***Professor emérito da Faculdade de Direito da USP/Ribeirão Preto