Anunciou-se na segunda-feira um acordo entre Executivo e Congresso para resolver o impasse em torno do Orçamento deste ano. Pelo acerto, as despesas federais destinadas ao combate à pandemia de covid-19, que já não estão submetidas ao teto de gastos, ficarão de fora também da contabilidade da meta fiscal. Com isso, abriu-se espaço orçamentário para a preservação de R$ 16,5 bilhões em emendas parlamentares para obras em redutos eleitorais.
Pode parecer confuso, mas é muito simples: o Orçamento fica quase todo sob controle do Congresso, com escassa influência do Executivo, e em contrapartida o governo ganha uma espécie de “orçamento paralelo”, fora dos controles fiscais e sem limite definido, a título de financiar a saúde e de socorrer empresas e trabalhadores afetados pela pandemia.
Nem se discute a necessidade urgente de investir pesadamente no amparo dos milhões de cidadãos e empreendedores que perderam renda e negócios como consequência das restrições causadas pela covid-19. Disso depende em larga medida não somente a recuperação futura da economia, mas principalmente a reversão da tragédia da fome que se alastra pelo País.
O problema é que esse cenário devastador já era amplamente previsto pelos especialistas em saúde, e, no entanto, foi ignorado olimpicamente pelo governo. O presidente Jair Bolsonaro chegou a anunciar, em dezembro do ano passado, que o País estava “vivendo um finalzinho de pandemia”. Um mês antes, o ministro da Economia, Paulo Guedes, havia declarado que “hoje a doença está cedendo e, ao mesmo tempo, a economia está voltando”. Com esse espírito relaxado e otimista, alheio à realidade, o governo deixou de planejar a tempo e hora uma estratégia de enfrentamento da mais que anunciada segunda onda da pandemia.
É difícil classificar o recrudescimento do contágio de covid-19 como um acontecimento “imprevisível” – característica que justificaria a abertura de créditos extraordinários para bancar as despesas relativas ao combate à pandemia. A esta altura, o dinheiro para financiar esse imperativo deveria constar do Orçamento regular, dentro das regras fiscais que demandam planejamento e transparência. Não é o que vai acontecer.
O acordo entre o Congresso e o governo pode dar a este último um “cheque em branco”. A meta fiscal primária (diferença entre receitas e despesas, fora os gastos com a dívida pública) para este ano é de um déficit de R$ 247 bilhões. A inclusão dos gastos com a pandemia, da ordem de pelo menos R$ 125 bilhões, levaria o governo a descumprir a meta, o que o obrigaria a fazer ajustes drásticos, conforme manda a Lei de Responsabilidade Fiscal. Agora, ao menos no que diz respeito às despesas com a pandemia, isso não será mais necessário – o governo está livre dessas amarras. Assim, para acompanhamento das contas públicas, será necessário calcular o resultado primário para fins de cumprimento da meta, que se torna obviamente fictícia, e o resultado primário que leva em conta as despesas com a pandemia – dispensadas da contabilidade oficial, mas não do mundo real.
É um tanto irônico que a emenda que permitiu essa manobra tenha sido encaminhada por um senador do PT – partido cuja expertise em maquiar Orçamentos e metas fiscais é reconhecida por todos. O senador petista Rogério Carvalho calcula que inicialmente os gastos extras chegarão a R$ 50 bilhões, mas isso “não será suficiente, precisamos de muito mais”. Segundo o parlamentar, é preciso injetar recursos públicos na economia, como fez o governo dos Estados Unidos. A diferença é que nos Estados Unidos há um plano detalhado sobre o que fazer com o dinheiro, e que foi devidamente debatido no Congresso; aqui, não há nada remotamente parecido com isso.