Não faz muito tempo, um cidadão de mais de 60 anos invadiu o apartamento acima do seu, aqui no Rio, e matou a tiros o casal que morava ali; em seguida, suicidou-se. E qual foi a causa dessa tragédia? Barulho, excesso de barulho.
Esse é, sem dúvida, um caso extremo, mas não deixa de ser indicativo do alto nível de barulhos de todo tipo que atormenta os cariocas.
O Rio, aliás, é uma cidade particularmente barulhenta. O barulho parece fazer parte de sua cultura, talvez pela tradição dos batuques que estão na origem mesma da cidade, tornada a capital do Carnaval. Nas favelas, originalmente, tornou-se natural promover batuques que atravessavam as noites. Isso se consolidou com o crescimento das escolas de samba, realizando seus ensaios, que mais tarde desceram dos morros e se alastraram por vários bairros da cidade.
Pode ser que me engane, mas a verdade é que, dada essa tradição, todo mundo se sente no direito de fazer festa em cada esquina. Um simples boteco, de apenas uma porta, toma a calçada em frente com mesas e cadeiras para vender chopes e batidas. E, para que a alegria seja completa, põe caixas de som num carro e toca música até altas horas da noite. Os moradores dos apartamentos próximos que se mudem.
E o que mais espanta é que, embora seja ilegal ocupar calçadas e fazer barulho atordoante em área residencial, isso ocorre sem qualquer reação da polícia ou dos órgãos oficiais. Acham engraçado, é o espírito festivo do carioca.
Em alguns casos, paga-se o guarda. Suborno é coisa comum, mas é outro assunto. Fiquemos na poluição sonora que é o tema desta crônica, o que é bastante porque, como já diz aqui, barulho faz parte da cultura carioca. E quem reclama é, no mínimo, um chato.
E tanto isso é verdade, ou seja, que o barulho é parte de nossa cultura, que os órgãos oficiais não apenas se omitem no combate à poluição sonora, como, pelo contrário, ajudam a poluir. Quer um exemplo? As sirenes dos carros de bombeiros e dos carros de polícia. Quando qualquer um desses veículos passa em frente a minha casa, corro e fecho as janelas, além de tampar os ouvidos. São sirenes absurdamente estridentes, que soam numa altura alucinante e sem necessidade, sem razão plausível.
A finalidade dessas sirenes é abrir caminho, no trânsito, para esses veículos. Ou seja, basta que os motoristas que estão à frente do carro da polícia a ouçam para que ela cumpra sua função. Não é necessário que todas as pessoas num raio de centenas de metros tenham de ser atordoadas por tais sirenes, nem quem está a várias quadras de distância nem muito menos quem está em seu apartamento, vendo televisão, conversando ou dormindo.
Certa vez, estava no meu carro, em meio ao tráfego engarrafado, quando um desses carros oficiais subitamente disparou sua sirene atordoante: levei um susto e quase joguei meu carro sobre o veículo que estava a meu lado. Cabe perguntar: não é função do governo combater a poluição, como, então, em vez disso, polui mais que todos? Ou estamos naquela de que ao governo tudo é permitido? Não apenas os chefes, o pequeno funcionário também pensa assim, quanto mais se trata de alguém que zela pela segurança pública. A ele, claro, tudo é permitido.
Mas se fossem só os carros oficiais, já me daria por feliz. Somos, sem dúvida alguma, um povo do barulho. Não por acaso, inventaram de algum tempo para cá, que todo mundo adora música e quer ouvi-la 24 horas por dia.
O resultado disso é que onde você entra há música (ruim) tocando e irritantemente alta: seja no supermercado, na loja de eletrodomésticos e até em algumas farmácias.
Ainda fiquei surpreso ao entrar numa loja de frutas e legumes e me deparar com um fundo musical atordoante. Fugi de lá na mesma hora. E nos restaurantes, há música também, claro. Aliás, em alguns deles, a moda agora é pôr numa altura que permite todo mundo ver uma televisão ligada o tempo todo, no pior programa e para todo o mundo ver e ouvir.
Isso sem falar no pessoal que fala berrando no telefone celular. Como disse um amigo meu: é que eles não sabem que já inventaram o telefone.
Da Folha