Suponho que seja hora de amadurecer a conversa sobre direitos autorais: não é 'se mexer, desaba'; é 'se não pode mexer, não anda'
Sou grato ao colunista da “Folha de S.Paulo” João Pereira Coutinho por ter sugerido que atentássemos para Agustina Bessa-Luís. E a Maria Helena Guimarães por ter me presenteado com a preciosidade que é o “Breviário do Brasil”, dessa autora impressionante, cuja publicação em terras brasileiras é uma exigência do nosso projeto de nação: ou edita-se por aqui esse livro magnífico ou os brasileiros avisados devem começar a importá-lo de Portugal. Uma estilista como há poucos, em qualquer língua, Agustina dá-nos um retrato imediato e profundo do nosso país — e uma lição de bem escrever.
Os cariocas merecem (e necessitam) ler o que o Rio a levou a compor com palavras. Não são os elogios e as queixas costumeiros. São revelações múltiplas, frases de perfeita elegância e naturalidade que descrevem como que imediatamente as revelações que foram feitas à autora e que se tornarão revelações para cada possível leitor da cidade. De minha parte, arrebata-me saber que somos um povo trágico disfarçado. E comove-me ler Agustina citando Walfrido Moraes, autor que conheci pessoalmente, por ser pai de minha amiga de adolescência Jussara, mas de cujo belo “Jagunços e heróis” devo o conhecimento a Vitor Gradim. Os trechos de Walfrido citados por Agustina ganham ainda mais beleza em razão do gosto literário de quem os escolheu. A citação escolhida (e glosada) dentre os versos de João Cabral de Melo Neto é reveladora da profundeza a que ela chega com as palavras.
Ainda estou no meio do “Breviário” de Agustina. Mas já estou apaixonado e recomendo enfaticamente. Brasília, Manaus, João Pessoa, Recife, Feira de Santana (o retrato do pintor Raimundo Oliveira é arrasador, com uma metáfora sobre o jeito de sua mãe, que, por sua vez, resulta em comentário sobre metáforas), tudo o que diz o país. Lampião e Maria Bonita são recontados nas mais surpreendentes frases, que se tornam assombrosas à medida que vão se mostrando indicadoras de observações sobre o que somos socialmente. E a versão bessa-luisiana da unicidade, originalidade e especialidade do Brasil é a mais forte de quantas há, já que não nasce de enganos de grandeza (nem de desejo de tê-los) mas de evidências experimentadas e detalhista olho crítico. É de tirar o fôlego. Eu tinha guardado em algum lugar da mente o nome Agustina Bessa-Luís. Seguramente já lera algo sobre “A sibila”, seu romance mais famoso. Mas nunca tinha lido nada escrito por ela. Estou impressionado.
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A carta assinada por muitíssimos compositores, músicos e cantores, em tom de defesa do Ecad contra uma suposta manobra sinistra para destruí-lo, não contou com minha assinatura, e eu ia escrever e-mails para, pelo menos, Fernando Brant, Ronaldo Bastos e Abel Silva, mas a estreia do “Abraçaço” em Sampa, logo em seguida à estreia carioca no Circo Voador e a uma apresentação em Fortaleza, não me deixaram cabeça nem energia para nada. Quando eu ia escrever, a carta ainda não tinha as assinaturas que exibe hoje. Eu ia explicar minha pausa para ponderação. Como o assunto é notório, faço-o aqui.
Há um projeto de lei no Senado esperando para ser votado em urgência. O Ministério da Cultura tem uma proposta que é bastante próxima da que é feita no PLS129. Falei brevemente com a ministra em São Paulo; ouvi demoradamente, já no Rio, um assessor seu que me pareceu muito claro. Conversei com Leoni, Tim Rescala, Gil, Emicida, li os artigos de Ivan Lins e Sérgio Ricardo. Os manifestos dos defensores da manutenção do modus operandi atual do Ecad são pouco ou nada técnicos — e são alarmistas: querem acabar com o Ecad e deixar tudo voltar ao caos que era antes, tal como Ipojuca Pontes fez com a Embrafilme. “O Ecad e o Direito do Autor: mexeu nisso, tudo desaba”, diz Abel. Tendo a pensar que é hora de arrefecer os ânimos e tentar pôr Leoni e Bastos pensando juntos, para ver se aproveitamos a oportunidade de andar com o tema. Nem o Ministério nem o PL propõem a extinção do Ecad. Ambos enfatizam a necessidade de supervisão (o PLS129 propunha que feita pelo Ministério da Justiça; o Minc tomaria a tarefa para si).
Não creio que Abel ou Fernando estejam protegendo vantagens indevidas; tampouco creio que Tim Rescala e Ivan Lins estejam lutando pelo poder das emissoras de TV. Suponho que seja hora de amadurecer a conversa. Nunca fui bom nisso de contas, administração, leis. Mas tenho vocação para o centro e, eu que já pedi que Silas Malafaia intermediasse um diálogo entre quem não admite que o assassino de Lennon seja louvado como o enviado da Santíssima Trindade e o pastor que propôs isso, acho que posso pedir que Sérgio Ricardo e Fernando Brant se entendam. Não é “se mexer, desaba”; é “se não pode mexer, não anda”.