Lula acredita ter saldado dívida com quilombolas de Alcântara
e outros estados
“Não é fácil enfrentar a burocracia do estado quando ele é
contra”, disse o presidente Luiz Inácio Lula da Silva nesta quinta-feira (19),
em Alcântara (MA), onde assinou documentos, decretos e portarias, que acredita venham
saldar uma dívida com a comunidade quilombola do estado e do país, que se
arrastou por quatro décadas.
Segundo Lula, desde 2003 vem tentando resolver o problema
fundiário do município maranhense onde a Aeronáutica instalou o Centro de
Lançamento de foguetes desde o início década de 80. A dívida de Lula se
confunde com a do estado brasileiro, que extrapolou os limites do país,
ocupando a pauta da Corte Interamericana em ação movida pela Organização
Internacional do Trabalho. O presidente prometeu uma força tarefa para expandir
inclusão em programas sociais.
“Marquem o dia de hoje, naquele lugar que você mais
frequenta. No dia 19 de setembro a história de Alcântara mudou e a história do
povo também mudou”, afirmou o presidente da República. Lula defendeu a
utilização de unidades móveis de saúde para atender a população.
Na solenidade foi assinado termo de conciliação, denominado
acordo de Alcântara, que garante direitos à propriedade das populações
quilombolas do município situado no Maranhão, onde está instalado o Centro de
Lançamento Agência Espacial Brasileira, AEB. Com os decretos, as populações
poderão acessar as praias do literal do município até então bloqueadas pela
Aeronáutica.
Na mesma solenidade foram assinadas portarias dentre as
quais o reconhecimento dos territórios quilombolas do município. Lula assinou ainda
dez decretos de interesse social para Alcântara, no Maranhão, e municípios dos
estados do Rio Grande do Norte, Bahia, São Paulo, Santa Catarina e Rio Grande
do Sul. Os decretos efetivam a propriedade dos territórios às comunidades
quilombolas de Alcântara. Foram também entregues pelo Incra 21 títulos de
domínios de territórios em Cururupu e Mirinzal, ambos no Maranhão, e nos
estados do Ceará, Alagoas, Paraíba, São Paulo, Rio Grande do Norte e Amapá.
Primeiro Advogado Geral da União a visitar Alcântara, Jorge
Messias, explicou que com os decretos que selaram o acordo são colocadas as
bases, mas há necessidades de políticas públicas. O ministro considerou o
momento como celebração e reconhecimento das comunidades na luta pelo direito à
terra que entrou na pauta da Corte Interamericana. “Para cada foguete que
subir, a cidade vai ganhar uma escola, um posto de saúde” prometeu Messias.
Segundo o ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura
Familiar, Paulo Teixeira, a produção dos quilombolas poderá ser vendida para o
Programa Nacional de Alimentação Escolar, PNAE. Os quilombolas terão disponível
créditos no valor de R$ 50 mil do Pronaf.
“Não basta somente assinar o decreto. Precisamos da execução
da titulação. Execução de trabalho de campo e cartorial para titulação das
terras”, ressaltou Aniceto Pereira, presidente do sindicato dos Trabalhadores e
Trabalhadores de Alcântara, abrindo os discursos. Dirigente da Articulação das
Comunidade Negras Rurais de Alcântara, Maria do Socorro Nascimento, orientou a
palavra de ordem: “Resistência quilombola, nenhum direito a menos”.
Pessoas vindas de municípios vizinhos da Baixada Maranhense
e de regiões mais distante no continente se juntaram aos alcantarenses que se
aglomeraram sob equatorial sol de 30º C na Praça da Matriz. Candidatos,
militantes petistas e eleitores de Lula e até gente de verde e amarelo, todos
misturados, ocuparam o espaço mais instagramável da cidade.
Ao menos quatro entidades participaram das negociações de um
grupo de trabalho que derivaram para a elaboração do documento que restituiu o
direito à propriedade do território aos quilombolas: Sindicato dos
Trabalhadores e Trabalhadoras de Alcântara, Movimento das Mulheres
Trabalhadoras de Alcântara, Associação Territorial Quilombola de Alcântara,
Movimento dos Afetados pela Base Espacial de Alcântara.
Carregando uma fotografia em preto e branco desbotada pelo
tempo, a alcantarense Alessandra Silva Dinis resgatava a história da mãe: a
lavradora Luzia Diniz, 69 anos, moradora da agrovila em São Raimundo de Marudá,
uma das comunidades quilombolas removidas na década de 80. A foto registra a
passagem em Alcântara do líder político Luiz Inácio Lula da Silva em 1994, acompanhado do
ex-deputado Domingos Dutra e um dos signatários da carta de fundação do PT, o
líder camponês Manoel da Conceição (já falecido).
O sentimento de não pertencimento perpassou quase todos os
deslocados para as sete agrovilas construídas pela Base Aérea de Alcântara em
consequência do decreto de desapropriação publicado no Diário Oficial do Estado
em 27 de outubro de 1980, tornando as terras quilombolas de “utilidade
pública”. De acordo com o decreto uma área de 52 mil há seria desapropriada
pela Aeronáutica.
Luzia Silva compartilha deste sentimento. “Quando Lula
esteve na comunidade de Marudá, em 1994, estávamos na luta pela documentação
dos terrenos e das casas. Entendíamos que não éramos donos. Haviam retirado de
nós aquilo que consideramos nossa maior riqueza que são os recursos naturais”,
reclama a moradora que acompanhou presencialmente em 2023 o julgamento da
Organização Internacional do Trabalho, OIT, no Chile.
“Eu era pobre. Empobreci mais ainda”, diz Inaldo da Silva,
comparando sua situação antes e depois da remoção para uma agrovila na década
de 80 em consequência do decreto de desapropriação, assinado pelo governador
João Castelo.
Da comunidade de Mamuna, Cipriano Diniz, 68 anos, acredita
que o desfecho pelo qual aguardou por 44 anos finalmente se concretizou com a
assinatura dos decretos pelo presidente Lula. “Aquilo que esperei por quase
toda minha vida estou vendo se tornar uma realidade. Meu pai que morreu com 84
anos duvidando que isso poderia acontecer”, afirmou, chamando Lula de vovô. Mamuna
é a comunidade mais próxima da sede do município, distante apenas 20
quilômetros.
Decreto expropriou quilombolas na década de 80
O decreto de desapropriação publicado no Diário Oficial do
Estado do Maranhão de 27 de outubro de 1980, declarava de “utilidade pública”
uma área de 52 mil hectares para implantação do Centro Espacial no município de
Alcântara.
O território abrangia mais da metade do município, dividido
em duas partes. A primeira, correspondendo a um terço dos 52 mil ha. Atingiam
mais de 500 famílias removidas para as agrovilas.
A Aeronáutica prometeu construir uma cidade para abrigar uma
população de 5 mil pessoas, aeroporto, com a remoção de mais 1.500 famílias. No
total mais de 2 mil famílias estiveram no foco de remoção por conta da Base de
Lançamento de Alcântara.
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