quinta-feira, 19 de setembro de 2024

 

Lula acredita ter saldado dívida com quilombolas de Alcântara e outros estados

“Não é fácil enfrentar a burocracia do estado quando ele é contra”, disse o presidente Luiz Inácio Lula da Silva nesta quinta-feira (19), em Alcântara (MA), onde assinou documentos, decretos e portarias, que acredita venham saldar uma dívida com a comunidade quilombola do estado e do país, que se arrastou por quatro décadas.

Segundo Lula, desde 2003 vem tentando resolver o problema fundiário do município maranhense onde a Aeronáutica instalou o Centro de Lançamento de foguetes desde o início década de 80. A dívida de Lula se confunde com a do estado brasileiro, que extrapolou os limites do país, ocupando a pauta da Corte Interamericana em ação movida pela Organização Internacional do Trabalho. O presidente prometeu uma força tarefa para expandir inclusão em programas sociais.

“Marquem o dia de hoje, naquele lugar que você mais frequenta. No dia 19 de setembro a história de Alcântara mudou e a história do povo também mudou”, afirmou o presidente da República. Lula defendeu a utilização de unidades móveis de saúde para atender a população.

Na solenidade foi assinado termo de conciliação, denominado acordo de Alcântara, que garante direitos à propriedade das populações quilombolas do município situado no Maranhão, onde está instalado o Centro de Lançamento Agência Espacial Brasileira, AEB. Com os decretos, as populações poderão acessar as praias do literal do município até então bloqueadas pela Aeronáutica.

Na mesma solenidade foram assinadas portarias dentre as quais o reconhecimento dos territórios quilombolas do município. Lula assinou ainda dez decretos de interesse social para Alcântara, no Maranhão, e municípios dos estados do Rio Grande do Norte, Bahia, São Paulo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Os decretos efetivam a propriedade dos territórios às comunidades quilombolas de Alcântara. Foram também entregues pelo Incra 21 títulos de domínios de territórios em Cururupu e Mirinzal, ambos no Maranhão, e nos estados do Ceará, Alagoas, Paraíba, São Paulo, Rio Grande do Norte e Amapá.

Primeiro Advogado Geral da União a visitar Alcântara, Jorge Messias, explicou que com os decretos que selaram o acordo são colocadas as bases, mas há necessidades de políticas públicas. O ministro considerou o momento como celebração e reconhecimento das comunidades na luta pelo direito à terra que entrou na pauta da Corte Interamericana. “Para cada foguete que subir, a cidade vai ganhar uma escola, um posto de saúde” prometeu Messias.

Segundo o ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Paulo Teixeira, a produção dos quilombolas poderá ser vendida para o Programa Nacional de Alimentação Escolar, PNAE. Os quilombolas terão disponível créditos no valor de R$ 50 mil do Pronaf.

“Não basta somente assinar o decreto. Precisamos da execução da titulação. Execução de trabalho de campo e cartorial para titulação das terras”, ressaltou Aniceto Pereira, presidente do sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadores de Alcântara, abrindo os discursos. Dirigente da Articulação das Comunidade Negras Rurais de Alcântara, Maria do Socorro Nascimento, orientou a palavra de ordem: “Resistência quilombola, nenhum direito a menos”.

Pessoas vindas de municípios vizinhos da Baixada Maranhense e de regiões mais distante no continente se juntaram aos alcantarenses que se aglomeraram sob equatorial sol de 30º C na Praça da Matriz. Candidatos, militantes petistas e eleitores de Lula e até gente de verde e amarelo, todos misturados, ocuparam o espaço mais instagramável da cidade.

Ao menos quatro entidades participaram das negociações de um grupo de trabalho que derivaram para a elaboração do documento que restituiu o direito à propriedade do território aos quilombolas: Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras de Alcântara, Movimento das Mulheres Trabalhadoras de Alcântara, Associação Territorial Quilombola de Alcântara, Movimento dos Afetados pela Base Espacial de Alcântara.

Carregando uma fotografia em preto e branco desbotada pelo tempo, a alcantarense Alessandra Silva Dinis resgatava a história da mãe: a lavradora Luzia Diniz, 69 anos, moradora da agrovila em São Raimundo de Marudá, uma das comunidades quilombolas removidas na década de 80. A foto registra a passagem em Alcântara do líder político Luiz Inácio  Lula da Silva em 1994, acompanhado do ex-deputado Domingos Dutra e um dos signatários da carta de fundação do PT, o líder camponês Manoel da Conceição (já falecido).

O sentimento de não pertencimento perpassou quase todos os deslocados para as sete agrovilas construídas pela Base Aérea de Alcântara em consequência do decreto de desapropriação publicado no Diário Oficial do Estado em 27 de outubro de 1980, tornando as terras quilombolas de “utilidade pública”. De acordo com o decreto uma área de 52 mil há seria desapropriada pela Aeronáutica.

Luzia Silva compartilha deste sentimento. “Quando Lula esteve na comunidade de Marudá, em 1994, estávamos na luta pela documentação dos terrenos e das casas. Entendíamos que não éramos donos. Haviam retirado de nós aquilo que consideramos nossa maior riqueza que são os recursos naturais”, reclama a moradora que acompanhou presencialmente em 2023 o julgamento da Organização Internacional do Trabalho, OIT, no Chile.

“Eu era pobre. Empobreci mais ainda”, diz Inaldo da Silva, comparando sua situação antes e depois da remoção para uma agrovila na década de 80 em consequência do decreto de desapropriação, assinado pelo governador João Castelo.

Da comunidade de Mamuna, Cipriano Diniz, 68 anos, acredita que o desfecho pelo qual aguardou por 44 anos finalmente se concretizou com a assinatura dos decretos pelo presidente Lula. “Aquilo que esperei por quase toda minha vida estou vendo se tornar uma realidade. Meu pai que morreu com 84 anos duvidando que isso poderia acontecer”, afirmou, chamando Lula de vovô. Mamuna é a comunidade mais próxima da sede do município, distante apenas 20 quilômetros.

 

Decreto expropriou quilombolas na década de 80

O decreto de desapropriação publicado no Diário Oficial do Estado do Maranhão de 27 de outubro de 1980, declarava de “utilidade pública” uma área de 52 mil hectares para implantação do Centro Espacial no município de Alcântara.

O território abrangia mais da metade do município, dividido em duas partes. A primeira, correspondendo a um terço dos 52 mil ha. Atingiam mais de 500 famílias removidas para as agrovilas.

A Aeronáutica prometeu construir uma cidade para abrigar uma população de 5 mil pessoas, aeroporto, com a remoção de mais 1.500 famílias. No total mais de 2 mil famílias estiveram no foco de remoção por conta da Base de Lançamento de Alcântara.  

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