Em cadeia superlotada no MA, presos comem arroz e galinha crua
JULIANA COISSIMARLENE BERGAMOENVIADAS ESPECIAIS A SÃO LUÍS (MA)
"Quem dorme no chão está na praia". A "praia" descrita por Pedro (os nomes são fictícios), 33, porém, está bem longe do mar. Mar ali, apenas de gente. Muita gente.
A Folha visitou um dos presídios superlotados de São Luís. São cerca de 200 homens, o dobro da capacidade. Não integra o complexo de Pedrinhas, mas tem problemas similares aos do maior conjunto prisional do Estado, cenário de 62 mortes desde 2013.
Os detentos reclamam muito da realidade da cadeia, mas alguns temem a ideia de um dia voltar para Pedrinhas.
Ao passar pelos corredores, a sensação é a de uma bomba prestes a explodir. Pedro e os colegas mostram o espaço onde vivem: 13 dividem uma área onde, inicialmente, caberiam quatro.
Em seguida, demonstram o malabarismo para dormir. Deitam-se rentes aos outros no chão, sem nenhum forro. Dois dormem embaixo da base de concreto que serve de cama. Estas, com colchões, são divididas por dois presos em cada uma delas.
Depois da superlotação, a comida é, de longe, a principal queixa dos presos. Só há arroz e galinha. Pior: crua.
Daniel aponta para o chão e mostra uma chapa que funciona como fogão. "A gente precisa terminar de cozinhar pra conseguir comer", diz.
O mau cheiro local vem de uma mistura de fezes, urina e comida estragada. O calor forte só acentua a náusea.
O banheiro forma-se a partir de uma parede incompleta, na altura da cintura. Cobre-se o restante com panos.
RODÍZIO DE SOL
A falta de espaço impõe um rodízio até no banho de sol. Quem não poderá circular a céu aberto terá de ficar confinado na cela.
Em outro espaço visitado, presos se amontoam no corredor, onde desembocam para mexer um pouco as pernas.
"Aqui é um caldeirão do inferno. Mas eu não quero voltar pra Pedrinhas nunca mais. Ali, só Jesus", diz um detento. "Estão matando todo mundo lá, Deus me livre", completa outro.
REPERCUSSÃO
ONU quer investigação de presídios
A ONU pediu ontem a "investigação imediata, imparcial e efetiva" das recentes cenas de violência registradas no presídio de Pedrinhas (MA) e por "medidas imediatas" para restaurar a ordem em prisões pelo país. Em nota, o órgão lamentou "mais uma vez" o "terrível estado" das prisões brasileiras.
LICITAÇÃO
Maranhão adia compra de lagosta
O governo do Maranhão adiou as licitações para compra de alimentos para as duas residências oficiais. Os novos pregões não têm data para acontecer. A coluna "Painel", da Folha, revelou na edição de ontem que a lista de compras incluía 80 kg de lagosta fresca e uma tonelada e meia de camarão.
Só volto para Pedrinhas morto, diz foragido
Condenado que não retornou a presídio maranhense após saída temporária de Natal compara local a 'inferno'
Após conversar com a reportagem, porém, ele foi surpreendido pela polícia e levado ao complexo penitenciário
JULIANA COISSIMARLENE BERGAMOENVIADAS ESPECIAIS A SÃO LUÍS (MA)
"Eu dou um tiro na cabeça, te juro, se eu tiver que me entregar. Para Pedrinhas só volto se for morto."
Ao conversar ontem pela manhã com a Folha, por telefone, o tom de voz de Carlos Máximo Neto, 27, era ao mesmo tempo de ameaça e de súplica. Temia pela vida.
Neto é um dos 60 presos do Maranhão que ganharam o direito à saída temporária de Natal, mas que não voltaram ao complexo de Pedrinhas e outros presídios na data definida pela Justiça. No fim do ano, 309 detentos maranhenses receberam o benefício.
Ele deixou Pedrinhas em 23 de dezembro, uma semana após a unidade ser palco de uma cena de barbárie.
Quatro presos foram mortos em rebelião, sendo três deles decapitados. Já são 62 mortes no complexo desde o início do ano passado.
A superlotação acentua a rixa entre facções criminosas que dominam Pedrinhas. Os grupos se dividem entre os presos da capital, do "Bonde dos 40", e os do interior, chamado de PCM (Primeiro Comando do Maranhão).
No caso de Neto, o temor pela volta às celas não é compartilhada por familiares, que não o querem como foragido.
A reportagem acompanhou anteontem o encontro da irmã de Neto com o juiz auxiliar da 1ª Vara de Execuções Penais, Roberto de Paula.
"Eu sei como está lá em Pedrinhas, estamos com medo. Mas ele está no fim da pena, precisa se entregar para conseguir logo sair da prisão", afirmou a irmã ao juiz.
Roberto de Paula ouviu os primeiros argumentos e a questionou em seguida sobre o paradeiro do irmão.
Ela admitiu que Neto estava escondido e partiu para um segundo apelo. Retirou o celular da bolsa e pediu ao juiz que ligasse para o foragido de Pedrinhas: "Doutor, convença meu irmão".
O magistrado se recusou, e ela deixou a sala com uma promessa: no dia seguinte, voltaria com o irmão rendido.
A jovem conhece bem o juiz, já que costuma interceder não só por Neto, mas também por outro irmão, detido em outro presídio local.
Condenado por assalto, Neto perambulou por cinco anos em unidades de Pedrinhas. Os últimos dois viveu na penitenciária, local criado para presos do regime semiaberto (mas, sem trabalho na cidade, cumpria pena como se estivesse no fechado).
'INFERNO'
A angústia da irmã, porém, não superava o medo do rapaz. "Lá em Pedrinhas tem ladrão atirando um no outro. Ninguém quer voltar para aquele inferno", disse à reportagem ainda pela manhã.
No início da noite, porém, foi surpreendido na casa da avó (o esconderijo) por um grupo de policiais. Recapturado, foi levado a Pedrinhas.
Vídeo mostra ataque no MA que matou menina
DE SÃO PAULO
Imagens gravadas por uma câmera do ônibus atacado na sexta-feira em São Luís mostram o momento em que o fogo atinge a garota Ana Clara Souza, 6, morta na segunda-feira devido às queimaduras.
No início da gravação, divulgada pelo site da revista "Veja", um homem entra no ônibus, saca um revólver e rende o motorista.
Logo depois, outros criminosos se aproximam do veículo, um deles apontando uma escopeta, enquanto o motorista e dois passageiros saem do ônibus.
No momento em que Ana, sua mãe, Juliane Santos, 22, e sua irmã de um ano e cinco meses tentam sair do veículo, uma explosão ocorre e o fogo começa onde Ana estava.
Depois de ficar no meio do incêndio por cerca de dez segundos, ela sai cambaleante do ônibus.
A menina teve 95% do corpo queimado. Com queimaduras em 40% do corpo, sua mãe teve piora ontem e foi transferida para a UTI (Unidade de Tratamento Intensivo) do Hospital Geral de São Luís.
Sua irmã está internada em um hospital da capital maranhense e não corre risco de morte, segundo o governo do Estado.