sábado, 28 de dezembro de 2013

Relatos do horror - LEONARDO CAVALCANTI

Um trecho do livro policial Filhos da noite, o mais novo romance do escritor norte-americano Dennis Lehane, expõe a diferença entre amadores e profissionais. Trata-se da epifania de um dos personagens: “Sabe os nossos clientes? Eles visitam a noite. Nós não, nós vivemos da noite. Eles alugam o que nos pertence. Isso significa que, quando eles vêm brincar no nosso quintal, nós lucramos com cada operação”. Tal constatação vale para todo tipo de coisa: de bares a operadoras de mergulho, sempre há alguém disposto a pagar para sentir o gosto, mesmo que superficial, de uma aventura.

Na vida real, porém, há lugares que nem mesmo os mais destemidos são capazes de entrar. É o caso das prisões brasileiras, onde existe um inferno invisível e onde não há lugar para amadores. Um universo impenetrável para uns e simplesmente ignorado por outros. Mesmo com a repercussão das prisões dos mensaleiros, a realidade do sistema penitenciário está longe de ser revelada. Uma pista do descalabro foi dada nesta semana pelo juiz Douglas Martins, auxiliar da presidência do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Conivência de políticos e crueldade, quando unidos, expõem o pior de um país.
Estupros
O horror está em Pedrinhas, bairro de São Luís, no Maranhão, um estado ruim de índices positivos, onde há a maior mortalidade infantil do país e a menor proporção de lixo coletado. Ao sair da penitenciária de Pedrinhas, Martins cobrou do governo maranhense o fim da violência contra parentes de presos. A partir do relato do magistrado, é possível saber que mulheres e irmãs de presos são obrigadas a manter relações sexuais com líderes de facções. Ao não permitirem o estupro, os detentos passam a integrar uma lista de marcados para morrer. Pelo depoimento do juiz, há total desorganização no sistema, sem controle da segurança pública. E tudo na capital do estado, do lado dos palácios.

As informações de Douglas foram anexadas a um relatório que seria entregue ao presidente do CNJ, Joaquim Barbosa. “As parentes de presos sem poder dentro da prisão estão pagando esse preço para que eles não sejam assassinados. É uma grave violação de direitos humanos”, disse em nota o juiz nesta semana. Até agora, 58 presos foram mortos apenas este ano em Pedrinhas.

Os estupros ocorreriam por causa da superlotação nos pavilhões e da falta de uma área específica para as visitas íntimas. “Por exigência dos líderes de facções, a direção da casa autorizou que as visitas íntimas acontecessem no meio das celas”, garantiu Douglas. Não é de hoje que representantes do CNJ pedem atenção do Estado ao Complexo Penitenciário de Pedrinhas, lembrado por assassinatos como os ocorridos no último mês de outubro, quando nove presos foram mortos durante uma rebelião.

Os desmandos expostos no sistema carcerário não são exclusividade do Maranhão. Em setembro do ano passado, no Pará, uma menina de 14 anos passou cinco dias sendo abusada sexualmente e espancada por detentos da Colônia Agrícola Heleno Fragoso, uma unidade penal de regime semiaberto, em Santa Isabel do Pará, a 50km de Belém. A violência só foi interrompida quando a garota conseguiu fugir à noite e encontrou uma patrulha da Polícia Militar às margens da BR-316. Na sequência, a menina foi levada ao Conselho Tutelar de Belém e à Delegacia de Atendimento ao Adolescente. A barbárie está longe de acabar no Brasil. Por aqui, não precisamos de livros de ficção policial. A violência mora ao lado.