É conhecido no Maranhão, o trecho do sermão da quinta dominga da quaresma (1654) do Padre Antônio Vieira, no qual ele expõe sua perplexidade sobre o modo como as notícias corriam por aqui: 'Estive considerando comigo que verdades vos diria e segundo as notícias que vou tendo desta nossa terra, resolvi-me a vos dizer uma só verdade. Mas que verdade será esta? Não gastemos tempo. A verdade que vos digo é que no Maranhão não há verdade.'
Pela fama do autor e pelo modo como o sermão sobreviveu ao tempo, ele virou quase uma espécie de texto fundador do Maranhão. Graças ao sermão da quinta dominga da quaresma, muito se diz por aí que o Maranhão é a terra da mentira.
Pois bem. Quem lê os blogs e jornais alinhados ao grupo Sarney, deve ter notado que há algum tempo, eles vêm reproduzindo insistentemente o discurso de que o conceito de oligarquia é uma perspectiva reducionista de ver a política do Maranhão. A proliferação desse discurso, evidentemente, carrega consigo a defesa velada ao sarneysimo, mas é mais grave do que isso.
Qualquer pessoa com bom senso concorda que a perspectiva maniqueísta da política e mesmo da vida, abole a pluralidade e a reoxigenação da própria política. O Maranhão pode e precisa superar perspectiva dualista de bem e mal, caso contrário não conseguirá superar os desafios de se tornar um estado beneficiado pelo momento de protagonismo econômico do Brasil no cenário internacional.
A questão é que, ao tentar apagar o discurso de existência de uma oligarquia no estado, a imprensa sarneysista confunde a opinião pública, dando a entender que a crítica que se faz ao grupo Sarney é baseada na ambição de líderes oposicionistas que tentam tomar o poder a qualquer custo. Trata-se de uma perspectiva igualmente reducionista, que omite um dado histórico muito maior e mais amplo do que as lutas políticas da atualidade.
O Maranhão é atrasado, não por força da vontade pessoal do Sarney. O Maranhão é atrasado porque insiste em perpetuar uma lógica de poder que se arrasta por séculos e da qual Sarney é apenas mais um representante.
Por essa perspectiva, não adianta discutir nenhuma outra alternativa de poder que não tenha em mente a necessidade primeira de superar a antiga lógica de concentração econômica, representada atualmente na forma como Sarney faz política no Maranhão.
Parece uma sutileza, mas é essa a realidade que a opinião pública precisa ter em mente para não perdermos de vista a verdade dos fatos, que insiste em colocar o Maranhão numa posição humilhante, onde a miséria, infelizmente, ainda é uma realidade de muitos.
A bem da verdade, é preciso também que se ressalte que o conceito de oligarquia, de fato não tem mais a mesma repercussão na sociedade. Pessoalmente, atribuo isso a dois fatores.
O primeiro fator está ligado à desintegração política e ideológica dos dois principais partidos de oposição ao grupo Sarney no Maranhão: o PT e o PDT. Ambos cresceram fazendo uso corrente do termo oligarquia para se opor ao sarneysismo.
A aliança nacional do petismo de José Dirceu e Lula com o grupo Sarney sufocou de vez as vozes oposicionistas do partido no Maranhão, levando o PT a uma aliança com a governadora Roseana Sarney. O efeito foi extremamente danoso e fez com que o Partido dos Trabalhadores perdesse de vez a legitimidade para criticar a lógica oligárquica.
O PDT, de Jackson Lago, como se sabe, passou por uma experiência traumática no poder, muito em função do fato de ter sido alçado ao Palácio dos Leões em função de uma cisão intraoligárquica, cujas bases continuaram a ditar práticas durante a curta gestão de Jackson.
O segundo fator está relacionado a uma certa incapacidade dos intelectuais maranhenses em difundir conceitos para pensar a contemporaneidade maranhense.
Como se sabe, uma parte da intelectualidade do estado, ligada ao grupo Sarney, é aquela que, por sua vez, detém os espaços de visibilidade para difundir determinados discursos, enquanto a intelectualidade progressista, ligada principalmente a academia, restringiu seu espaço de atuação quase exclusivamente dentro das universidades e em espaços onde o discurso anti-oligarquia já estava consolidado.
Some-se a isso, o fato de que pouco ou quase nada se alterou no cenário político do Maranhão nos últimos 20 anos. Apenas com a ascensão política de Flávio Dino e Edivaldo Holanda Júnior é que começamos a estreitar o debate em torno de lideranças políticas que superem a lógica maniqueísta Sarney/Anti-Sarney.
Dessa forma, o apelo que faço é para que pensemos o Maranhão para além da dualidade política, mas sem perder de vista que a lógica oligárquica centenária que domina o Maranhão, ainda está na centralidade da discussão dos nossos problemas. Apesar das tentativas de mascarar a verdade.
Lígia Teixeira, historiadora, é titular da coluna 'Falando com Franqueza', publicada no blog Marrapá aos domingos, e escreve para o Jornal Pequeno às sextas-feiras.