sexta-feira, 16 de outubro de 2015

Diáspora maranhense: Sem o pai há 21 anos, moradora do MA o reconhece em matéria do Correio

Luiz Lucena toca pandeiro na plataforma superior da Rodoviária do Plano Piloto e foi entrevistado para uma reportagem do caderno Trabalho&Formação Profissional


    Mais de duas décadas e 1.772km separaram o pai e três filhas. A fuga da pobreza fez com que a mãe deixasse a capital federal com as meninas, rumo ao interior do Maranhão. O distanciamento e a saudade perduraram por 21 anos, até que uma reportagem publicada no caderno Trabalho&Formação Profissional do Correio mudou a história da família. Uma das filhas, que mora em Codó (MA), encontrou a matéria depois de procurar pelo nome do pai na internet. Luiz Lucena Pacheco, 64 anos, é um dos artistas de rua que estamparam páginas do jornal em 23 de agosto.
    Luiz toca pandeiro há quase cinco anos na plataforma superior da Rodoviária do Plano Piloto, entre o Conjunto Nacional e o Conic. Ontem, ele conversou com uma das filhas, Manoela Moreira Salazar, 24, por telefone, depois de o Correio organizar o encontro, a pedido da jovem, que entrou em contato com o jornal por meio das redes sociais.

    Manoela e as irmãs, Maiza e Michela Moreira Salazar, 25 e 23 anos, respectivamente, nasceram em Brasília. Ela conviveu com o pai até os 3 anos, Maíza, até os 4, e a mais nova tinha 1 ano e 2 meses quando todas foram embora da capital com a mãe. Desde então, as filhas nunca mais tiveram notícias de Luiz. No registro das jovens, o local determinado para o nome do pai está vazio. Na época, a família morava em um lugar improvisado, próximo à Casa do Ceará. Registrar as filhas não era prioridade. Mas, agora, o sonho das jovens é carregar o nome de Luiz nos próximos documentos que serão assinados.
Lembranças

    No Maranhão, as meninas foram criadas pela avó materna, Maria do Carmo Moreira Salazar, 76 anos, mas as condições não permitiram que as três ficassem juntas. Maria do Carmo tinha outros sete filhos e, em abril de 1994 — ano em que Manoela, Maíza e Michela chegaram à cidade —, o avô, Fernandes Salazar, morreu. Manoela e Maíza, as mais velhas, ficaram com a avó, mas Michela, a caçula, foi para São Luís viver com uma tia materna. Hoje, Manoela continua em Codó, no interior do Maranhão, Maíza vive em Belém e Michela, em Maricá (RJ).

    Durante a infância das filhas, a mãe se ausentou. Segundo Manoela, ela retornou a Brasília, sozinha, no fim do mesmo ano, 1994. Hoje, a matriarca mora em São Sebastião, é viúva e trabalha com artesanato. “Durante nossa criação, a nossa mãe foi ausente. Raramente ligava e minha avó é que se comunicava mais com ela. Agora, estamos nos aproximando e ela fala até comprar uma casa em São Luís para ficarmos mais perto”, conta.
    O pouco que as jovens sabem sobre o pai foram detalhes que a avó contava ao longo da vida. Manoela soube que Luiz é quase 20 anos mais velho que a mãe. O nome, elas só descobriram após Manoela encontrar uma carta que ele deixou. “Até hoje eu sofro. Não sei detalhes (da minha infância), nem por que meu nome é Manoela. Nossa família materna não é muito de contar as coisas. Raramente me encontrei com minha mãe e a nossa avó sempre foi muito rígida. Eu ficava idealizando meu pai na cabeça. Pensava no ‘se’. É um vazio que ficou em mim. Eu sempre quis saber da minha história.”
Busca

    A ausência do pai marcou as jovens, que nunca descansaram até encontrá-lo. “Sempre tive medo de não chegar a encontrar meu pai. A esperança permanecia, mas eu tinha receio, por exemplo, de ele não querer saber da gente. Nós não queremos pedir nada, apenas ver o nosso pai, enxergar as características e as semelhanças. O desejo é estar perto dele. Toda a vida ele fez falta”, diz Manoela, emocionada. Hoje, Luiz já é avô. Há cinco anos, Manoela deu à luz Francisco Gabriel Salazar Austríaco. O menino toca violão de brinquedo, canta e faz paródia. Para a mãe, ele herdou as raízes do avô paterno, assim como ela. “Já escrevi dois livros, faço poesias e, desde os 7 anos, escrevo cartas. Talvez tenha herdado isso dele”, idealizou.

    Com Luiz, a vida nunca foi generosa. Ainda na adolescência, trabalhou na roça, um dos motivos de ter perdido a perna esquerda, há 43 anos, detalhe que não gosta de lembrar. Quando tinha 16 anos, saiu de casa. Viu a mãe uma única vez e pouco sabe sobre o pai e nunca o viu. Chegou a Brasília em 1977. Na capital, trabalhou como vigilante e carroceiro, antes de seguir a vida de artista de rua. No entanto, nunca abandonou os estudos. Hoje, faz curso de inglês na Asa Norte e terminou o ensino médio. Com o apoio da Secretaria de Cultura do DF, gravou um CD com oito composições próprias, uma delas em homenagem às filhas. Os olhos marejaram e o sorriso ficam em evidência quando fala delas. 
    “Minha casa sempre foi o mundo. Fui criado por uma mulher muito brava, que me maltratou muito. O que eu tenho em um dia, eu como no outro”, relata. “Naquela época, a situação também era muito precária. Cheguei a comprar uma vaquinha de leite para alimentar as meninas”, afirma. Por 32 anos, Luiz morou no mesmo barraco, como ele define, próximo à Casa do Ceará. Depois que a estrutura foi demolida pelo governo, mudou-se para a copa de uma árvore e ainda morou de aluguel em um quarto na Asa Norte até ser contemplado com uma casa pelo programa de moradia do Governo do Distrito Federal no Paranoá, há cerca de um ano.
Do Correio