segunda-feira, 21 de julho de 2025

Folha de S. Paulo - Congresso afronta o país no trato das emendas

Mecanismo, que abocanhou R$ 176 bi do Orçamento em 10 anos, tem uso paroquial e está envolvido em suspeitas de corrupção


Em um país com limitações orçamentárias, os efeitos deletérios das emendas parlamentares para toda a sociedade só são superados pelos danos causados por sua proliferação. Desde 2015, quando a execução desses mecanismos paroquiais do Orçamento federal se tornou obrigatória, o pior da tradição da política tem emergido.

Há muito a se lamentar. A começar, pela decisão do Congresso Nacional de inserir na Constituição, em 2015, o direito para seus integrantes a parcela significativa das despesas orçamentárias de cada ano, em detrimento das prioridades de investimento e de custeio do Executivo em áreas como saúdeeducação e infraestrutura.

Por si só, nada poderia ser mais disfuncional para o modelo de equilíbrio e de atribuições específicas dos três Poderes do que o Legislativo assumir funções típicas do Executivo, eximindo-se de responsabilização.

Por fim, é preciso ressaltar a aviltante expansão desse butim nos últimos dez anos. Como evidenciou reportagem da Folha, entre 2015 e 2024, as emendas parlamentares consumiram R$ 173 bilhões a mais do que se tivessem sido corrigidas somente pela variação da inflação.

O relatório preliminar da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para o ano eleitoral de 2026 reserva às emendas a fatia de R$ 54,2 bilhões. Desse volume, 77% sairá do Congresso e chegará ao governo com a imposição de execução.

O quadro agrava-se diante dos dribles dos parlamentares a decisões do Supremo Tribunal Federal (STF). Ao passar as emendas de relator, consideradas inconstitucionais em 2022, para as comissões da Câmara e do Senado, o Legislativo deu provas de deslealdade aos princípios republicanos.

Ainda mais grave são o flagrante uso eleitoral de grande parte das emendas, que alimentam o clientelismo e o paroquialismo como meios de perpetuar carreiras públicas, a omissão das políticas de interesse nacional e, inevitavelmente, a corrupção.

A isso soma-se a disfuncionalidade. Como evidenciou recente estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o aumento do volume de emendas na área da saúde resultará em problemas futuros para a oferta de serviços e dificultará o financiamento de políticas com potencial de reduzir desigualdades que grassam no sistema. Em suma, sua aplicação e resultados são de "qualidade duvidosa".

Haveria alguma chance de correção se o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), fizesse valer sua afirmação de que "as emendas não são intocáveis" e estão sujeitas a corte. Considerando o papel do instrumento na cooptação de apoio a Motta na Casa, porém, sua palavra já está sob suspeita.

As emendas podem até se converter em arma do Legislativo para exigir do Palácio Planalto o necessário corte de gastos. Mas somente o acinte do Congresso ao espírito da Constituição e aos contribuintes explica sua dimensão atual e seu uso distorcido.