Aprovação de R$ 4,9 bi para fundão eleitoral e reconhecimento de erros da Lava Jato não podem ser motivo para ensejar discussões sobre o retorno das nocivas doações de empresas
O Congresso Nacional aprovou uma verba de R$ 4,9 bilhões para bancar as despesas das campanhas para as eleições municipais deste ano. O valor ficou muito maior que o sugerido pelo governo no Projeto de Lei Orçamentária Anual (Ploa), de R$ 939 milhões, mas não se viu movimentação da base aliada para barrar esse aumento descabido, pelo contrário.
Em defesa do fundo, lideranças do Legislativo têm um discurso pronto. Seria, segundo a presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR), o “custo da democracia” e uma forma de garantir a renovação da política. A maioria dos parlamentares não teve qualquer pudor em destinar tanto dinheiro para esse fim, à exceção do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que tentou, sem sucesso, chamar os parlamentares à razão.
Para Pacheco, seria plenamente possível financiar a campanha municipal tomando como base o valor reservado em 2020, bastando, para isso, atualizá-lo pela inflação acumulada nos últimos anos. A proposta foi fragorosamente derrotada na Câmara, por 355 votos a 101, o que dispensou sua apreciação por parte dos senadores.
Em defesa da redução do tamanho do fundo para níveis mais civilizados, Pacheco chamou a atenção para uma questão bastante relevante. Para o presidente do Senado, o valor aprovado, além de um erro grave, precipitaria discussões sobre o retorno do financiamento privado de campanhas. “E precipita inclusive uma reflexão sobre as eleições no País, o custo delas para o Brasil em todos os sentidos”, afirmou.
A preocupação do senador tem todo o sentido, uma vez que a decisão do STF que declarou a inconstitucionalidade das contribuições de empresas se deu em 2015, no contexto das investigações da Lava Jato. Desde então, o reconhecimento dos erros da operação já gerou a anulação de delações, provas e condenações.
Mais recentemente, o ministro Dias Toffoli suspendeu uma multa bilionária da J&F, aplicada em razão de um acordo de leniência celebrado com o Ministério Público Federal (MPF). Não seria nenhuma surpresa, portanto, que o valor indecoroso que o fundão atingiu e o desequilíbrio estrutural do Orçamento encorajassem discussões sobre a retomada das doações empresariais.
Seria um enorme e indesejável retrocesso, que a sociedade não pode aceitar. Como já defendemos neste espaço, as doações de empresas promovem a captura do processo político pelo poder econômico. São, sem dúvida alguma, nocivas à democracia, tanto que o principal argumento do STF para derrubá-las, em 2015, foi o de que elas equiparavam empresas a cidadãos, ferindo princípios constitucionais.
Em 2017, o Legislativo achou por bem disponibilizar recursos públicos para as campanhas eleitorais e aprovou a criação do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC). No primeiro ano em que vigorou, em 2018, o fundão recebeu R$ 1,7 bilhão; em 2020, foram R$ 2,03 bilhões; e em 2022, foram R$ 4,9 bilhões.
Como o Congresso manteve esse mesmo valor para o fundo eleitoral neste ano, os parlamentares acreditam terem sido bastante comedidos na definição de seu orçamento. A diferença, nada sutil, é que a campanha municipal, ainda que envolva mais de 5,5 mil municípios, tende a ser bem mais barata que uma disputa de alcance nacional para a escolha de presidente, governadores, senadores e deputados federais e estaduais.
O avanço da internet e de tecnologias para impulsionar propagandas tornou as campanhas muito mais baratas. Não é isso, portanto, que justifica o tamanho que atingiu o fundão, mas o apetite insaciável dos políticos por recursos que facilitem a escolha de aliados em suas bases.
A solução para dar fim a essa imoralidade financiada com dinheiro público não é, no entanto, reeditar as doações empresariais. Os partidos, enquanto pessoas jurídicas de direito privado, precisam lutar para convencer os cidadãos a contribuir para o sustento de suas atividades, entre as quais as campanhas eleitorais. Isso requer uma corajosa autocrítica sobre o papel que exercem na sociedade.