sexta-feira, 18 de novembro de 2022

Editorial de O Estadão - É preciso prestigiar o Ministério da Justiça

Na estrutura do Executivo federal, existe o Ministério da Justiça e Segurança Pública. Com a perspectiva de um novo governo, observa-se uma pressão política crescente para que seja recriada uma pasta exclusiva para a segurança pública. Em fevereiro de 2018, o presidente Michel Temer instituiu, por meio da Medida Provisória (MP) 821/2018, o Ministério Extraordinário da Segurança Pública, que, no início do governo Bolsonaro, foi reincorporado à pasta da Justiça.

O tema exige cuidado. O Ministério da Justiça tem papel fundamental no bom funcionamento da administração federal. A pasta é responsável, no âmbito do Executivo federal, pela defesa da ordem jurídica, dos direitos políticos e das garantias constitucionais. Tem uma importância histórica e institucional única, expressa na própria configuração urbanística e arquitetônica de Brasília, que conferiu posição de destaque ao Palácio da Justiça Raymundo Faoro, sede da pasta.

Não é uma questão burocrática. Não é um tema abstrato. Um governo que preza o Estado Democrático de Direito – que vislumbra sua função exclusivamente dentro dos limites da lei, que entende o exercício do poder exclusivamente dentro dos trilhos institucionais – valoriza necessariamente o Ministério da Justiça. A retidão legal e constitucional do exercício do poder federal depende, em boa medida, da pasta da Justiça. É sintomático que, sob o governo de Jair Bolsonaro, o Ministério da Justiça tenha tido tão pouca relevância institucional e tão pouco peso político, ao mesmo tempo que se viu envolto em escândalos, como as suspeitas de interferência na Polícia Federal.

O Ministério da Justiça tem também um papel muito importante para fora do governo, com a sociedade. No âmbito da administração federal, ele é o grande defensor dos direitos de todos e de cada um dos cidadãos. Tem uma função educativa e comunicativa especialíssima a respeito do funcionamento prático de um Estado Democrático de Direito, com seus princípios, requisitos e garantias. Em 2019, neste espaço, elogiou-se uma campanha publicitária do Ministério da Justiça da Alemanha a respeito do Estado de Direito (O que é o Estado de Direito, 14/10/2019). Desde então, no Brasil, o tema ganhou ainda mais relevância e urgência. Não há cumprimento da lei, tampouco respeito às liberdades, se as pessoas desconhecem seu conteúdo concreto e suas exigências práticas.

Quanto à questão da segurança pública, vale destacar que, por força do princípio federativo, a competência imediata é dos Estados. No entanto, é óbvio que o tema, uma das prioridades da população, exige atenção especial do Executivo federal. A criminalidade contemporânea não é meramente local, ultrapassando fronteiras estaduais e nacionais. Mas a importância do tema não faz exigir, por si só, a criação de um Ministério específico.

A rigor, uma compreensão responsável acerca da segurança pública – que não é meramente punição; é, sobretudo, prevenção – recomenda justamente que o tema fique sob a alçada do Ministério da Justiça, uma vez que tudo se relaciona com o cumprimento da lei e com o respeito ao Estado Democrático de Direito. Por exemplo, seja em qual esfera for, o tema das polícias nunca é meramente operacional. É sempre institucional. Sempre envolve o enquadramento do uso da força nos trilhos legais.

É muito oportuno e simbólico, portanto, que o Ministério da Justiça se ocupe também da segurança pública. O caminho para a promoção da paz e da ordem pública é a lei – o exercício do poder dentro da mais estrita institucionalidade, respeitando o direito de todos. Segurança pública não requer medidas espetaculosas e populistas. Exige políticas públicas responsáveis, implementadas e acompanhadas de forma coordenada com Estados e municípios.

É preciso restaurar o prestígio do Ministério da Justiça, que é resgatar o próprio sentido do Estado Democrático de Direito. Não há exercício do poder fora da lei. Todos são iguais perante a lei, com os mesmos direitos e os mesmos deveres, sem discriminações e sem privilégios.l