segunda-feira, 23 de novembro de 2020

Octávio Vieira da Cunha Silva - O transporte público pós-eleição


 Enquanto se encerra o processo de eleições municipais em todo o território brasileiro, é chegada a hora de os eleitos e de candidatos que ainda enfrentarão o segundo turno entenderem a dimensão do desafio que terão pela frente, em áreas determinantes para definir a boa ou a má qualidade de vida do brasileiro, como saúde, educação, segurança e transporte público. São temas que deveriam dominar de cor e salteado.

Infelizmente, na prática, não funciona assim. O transporte público, mais especificamente os coletivos urbanos, tem sido alvo fácil de promessas eleitoreiras, muitas até bem-intencionadas na aparência, mas inexequíveis no mundo real.

O tema é extremamente sensível ao cidadão e ao eleitor, que demandam soluções concretas para o transporte coletivo urbano. O serviço vem perdendo cada vez mais passageiros em todo o Brasil: nos últimos 25 anos, a Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU) registra em seus anuários uma queda expressiva de aproximadamente 50% na demanda em todo o Brasil. E isso antes do terrível impacto causado pela pandemia.

O dado traz um alerta para todos que direta ou indiretamente lidam com o assunto. Nesse contexto, os novos prefeitos e vereadores assumirão no próximo ano com o transporte público em crise e com a missão de reorganizar esse serviço essencial aos municípios, sob pena de amargarem inúmeras dificuldades e uma insatisfação crescente da sociedade até o fim de seus mandatos.

Com o propósito de contribuir para o enfrentamento dos desafios da mobilidade urbana, um grupo formado por especialistas, ONGs, representantes do poder público, das operadoras do serviço e entidades ligadas ao transporte público organizou um conjunto de propostas viáveis, capazes de concretizar iniciativas para melhorar o transporte público das cidades, segundo o perfil de cada município.

O Guia Eleições 2020 — Como ter um transporte público eficiente, barato e com qualidade na sua cidade, coordenado pela Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP), traz conteúdos sistematizados e é especialmente direcionado aos futuros prefeitos e vereadores, como um recurso para auxiliar na elaboração de propostas e políticas necessárias e viáveis para o setor.

O Guia mostra como é possível ter um transporte de boa qualidade que caiba no bolso do trabalhador, partindo de medidas aparentemente simples, como a adoção de faixas exclusivas, até ações mais complexas, como a adoção de novo modelo de contratação do serviço, entre outros.

O esforço de especialistas para prover os novos gestores públicos com informações consistentes e experiências exitosas tem amparo no entendimento de que, se continuarem a fazer mais do mesmo no transporte público, os candidatos agora eleitos deixarão como legado uma administração medíocre. Ou até desastrosa, dependendo do contexto. Mas, se a opção das novas lideranças estiver direcionada para a construção de uma nova realidade, com medidas corajosas, amplamente testadas e comprovadas, será possível colher os resultados dentro do horizonte de seus respectivos mandatos, segundo afirmam os organizadores do Guia.

Sem a pretensão de se tornar uma espécie de Bíblia do transporte público, mas, sim, uma referência segura na execução de ações para melhorar o transporte público, compatíveis com a realidade de cada cidade, a publicação apresenta iniciativas que podem fazer a diferença no dia a dia da população, trazendo melhorias substanciais para a comunidade.

É fundamental que os novos gestores percebam que uma cidade com transporte público coletivo organizado e de boa qualidade tem melhores condições competitivas para alavancar outras atividades econômicas e atrair novos negócios.

De acordo com o Guia, oito temas são base para as mudanças necessárias na construção de um eficiente serviço de transporte coletivo urbano: transparência, novo modelo de contratação, infraestrutura, custeio, financiamento, padrões de qualidade, comunicação e desenvolvimento social, e ações emergenciais.

Para uma atividade de natureza essencial, responsável por 40 milhões de viagens diárias nas cidades que contam com serviço organizado de transporte público, faz muito sentido investir em propostas que reflitam a grandeza desse setor, que gera 406 mil empregos diretos no país.

Se ao menos uma das propostas for colocada em prática em cada cidade, o transporte público terá avançado muito na direção das grandes mudanças que precisa adotar. O eleitor, no futuro, certamente agradecerá. 

* Presidente-executivo da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU) e dono da Taguatur, no Maranhão