quarta-feira, 30 de outubro de 2019

‘JN’: Suspeito foi a condomínio buscar outro acusado e alegou que ia à casa de Bolsonaro

Registros da portaria do Condomínio Vivendas da Barra, onde mora o principal suspeito de matar a vereadora Marielle Franco e o motorista Anderson Gomes, Ronnie Lessa, mostram que o outro suspeito do crime, Élcio de Queiroz, entrou no local horas antes do assassinato, em 14 de março de 2018, dizendo que iria para a casa do então deputado federal Jair Bolsonaro, também morador do condomínio. Os registros da portaria foram revelados ontem pelo Jornal Nacional, que também noticiou detalhes de dois depoimentos do porteiro que estava na guarita naquela noite.
Os registros de presença da Câmara dos Deputados mostram que, em 14 de março de 2018, Bolsonaro estava em Brasília. Ele participou de votações no plenário à tarde e à noite. A citação ao presidente pode levar a investigação ao Supremo Tribunal Federal (STF).
Em Riad, capital da Arábia Saudita, o presidente Jair Bolsonaro fez uma transmissão ao vivo, por volta das 3h30m no horário local, para falar sobre as revelações. O presidente disse que quer ser ouvido na investigação.
— Quero colocar em pratos limpos o que está acontecendo com o meu nome. Eu soube quem era Marielle pela notícia de que ela morreu. Estava em Brasília, os registros mostram. Registrei presença às 17h41m no plenário da Câmara. Ou o porteiro mentiu, ou o induziram a mentir — disse Bolsonaro na transmissão.
O presidente acusou o governador do Rio, Wilson Witzel (PSC), de vazar informações das investigações para prejudicá-lo, por estar interessado em sucedê-lo na Presidência da República em 2022:
— Por que essa sede pelo poder, Witzel? Seu objetivo é destruir a família Bolsonaro. Ele se elegeu colado no meu filho Flávio e depois virou nosso inimigo.
Em nota, Witzel respondeu: “Lamento profundamente a manifestação intempestiva do presidente Jair Bolsonaro. Ressalto que jamais houve qualquer tipo de interferência política nas investigações conduzidas pelo Ministério Público e a cargo da Polícia Civil. (...) Não transitamos no terreno da ilegalidade, não compactuo com vazamentos à imprensa”.
A AUTORIZAÇÃO
Às 17h10m da data do crime, o porteiro escreveu no livro de visitantes o nome de Élcio, o carro (um Logan) a placa (AGH 8202) e a casa que o visitante iria, a de número 58. No registro-geral de imóveis, consta que a casa 58 pertence a Bolsonaro. O presidente também é proprietário da casa 36, onde vive um dos seus filhos, o vereador do Rio Carlos Bolsonaro (PSC).
Em depoimento, o porteiro contou que, depois que Élcio se identificou e disse que iria para o número 58, ele ligou para confirmar se o visitante estava autorizado a entrar. Ele disse que a entrada foi liberada e que identificou a voz de quem atendeu como sendo do “seu Jair”.
A informação de que “seu Jair” que atendeu a ligação foi dada em dois depoimentos.
O porteiro disse que acompanhou pelas câmeras de segurança a entrada do carro de Élcio no condomínio, e viu que o veículo seguiu para a casa 66, onde morava Ronnie Lessa. O porteiro, então, relatou ter ligado de novo para a casa 58, e que o homem identificado por ele como “seu Jair” teria dito saber para onde Élcio estava indo.
Os registros da Câmara dos Deputados do dia 14 de março mostram que Bolsonaro participou de duas votações no plenário, às 14h e às 20h30m, e não poderia, portanto, estar no Rio naquele dia. No mesmo dia, Bolsonaro também postou vídeos nas redes sociais dentro do gabinete em Brasília.
De acordo com o Jornal Nacional, a guarita do condomínio tem equipamentos que gravam as conversas pelo interfone e os investigadores estão recuperando os arquivos de áudio para saber com quem, de fato, o porteiro conversou naquele dia.
Ainda segundo o JN, representantes do Ministério Público do Rio foram até Brasília no último dia 17 para fazer um consulta ao presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, para saber se poderiam continuar a investigação. Toffoli, no entanto, ainda não respondeu.
O juiz que atualmente é responsável pelo caso não foi avisado.
Pouco depois que as informações foram reveladas pelo JN, parlamentares da bancada do PSOL na Câmara solicitaram uma audiência com Toffoli para pedir que o STF dê prosseguimento às investigações.
— São fatos graves. O Bolsonaro não estava lá, mas alguém estava. É preciso saber quem. O que se pede ao STF é que se permita a investigação —disse o deputado Marcelo Freixo (PSOL).
ATAQUES À TV GLOBO
As defesas de Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz não responderam às tentativas de contato. O Ministério Público do Rio afirmou que as investigações estão a cargo da Delegacia de Homicídios, que é subordinada à Secretaria de Polícia Civil, e que o Grupo de Atuação Especial do MP acompanha o caso. A Polícia Civil disse que a Delegacia de Homicídios investiga o caso junto com o Grupo de Atuação Especial do Ministério Público.
Durante toda a transmissão ao vivo, Bolsonaro também direcionou ataques à TV Globo e à revista Época por reportagens que, na opinião dele, teriam como objetivo “derrubá-lo” no primeiro ano de mandato. O presidente também disse que se sente vítima de uma “patifaria 24 horas por dia” e se referiu ao jornalismo do Grupo Globo como “podre, canalha e sem escrúpulo” e mencionou a renovação da concessão da Globo:
— Aceito críticas e erro, corrijo e sigo em frente. A Globo só promove o que está dando errado, não tem respeito. É uma canalhice o que a TV Globo faz, uma matéria dessa. Estão inventando uma patifaria contra o presidente Bolsonaro e sua família.
A respeito das declarações do presidente Bolsonaro, a TV Globo divulgou a seguinte nota: “A Globo não fez patifaria nem canalhice. Fez, como sempre, jornalismo com seriedade e responsabilidade. Revelou a existência do depoimento do porteiro e das afirmações que ele fez. Mas ressaltou, com ênfase e por apuração própria, que as informações do porteiro se chocavam com um fato: a presença do então deputado Jair Bolsonaro em Brasília, naquele dia, com dois registros na lista de presença em votações. O depoimento do porteiro, com ou sem contradição, é importante, porque diz respeito a um fato que ocorreu com um dos principais acusados, no dia do crime. Além disso, a mera citação do nome do presidente leva o Supremo Tribunal Federal a analisar a situação. A Globo lamenta que o presidente revele não conhecer a missão do jornalismo de qualidade e use termos injustos para insultar aqueles que não fazem outra coisa senão informar com precisão o público brasileiro. Sobre a afirmação de que, em 2022, não perseguirá a Globo, mas só renovará a sua concessão se o processo estiver, nas palavras dele, enxuto, a Globo afirma que não poderia esperar dele outra atitude. Há 54 anos, a emissora jamais deixou de cumprir as suas obrigações”.