Crime no clã Sarney
Poder, tradição, riqueza… quem são e o que fazem os personagens que conviviam intimamente com a sobrinha-neta do ex-presidente, assassinada pelo cunhado
O nome da rua é nobre demais para um evento tão baixo… mas deixemos, por enquanto, um pouco para a frente o tal nome, logo chegaremos à essa rua da bela São Luís do Maranhão…
Mais do que desabou – o império ruiu. Tudo que o clã Sarney não precisava nesse difícil momento de seu declínio social e político era de um crime passional na família. Foi o que aconteceu na semana passada em um trágico e louco enredo que lembra os periódicos folhetins de séculos atrás. Mas fosse tudo história criada e inventada para entreter e desentediar os leitores, não estivesse a morta de fato morta, violentada em sua própria cama e asfixiada com um travesseiro aos 33 anos de idade, fosse tudo novela, que alívio para os Sarney! A realidade, no entanto, se impõe: houve o crime sim, na escaldante tarde do domingo 13, e aqui chega-se ao apartamento da vítima, nono andar, onde ela morreu. E chega-se à rua de nome tão nobre para um assassinato tão bárbaro: avenida São Luís Rei de França, localizada no bairro chamado Turu. A contrastar ainda mais com a nobreza, tem-se que a pobre coitada morreu nas mãos daquele que era seu cunhado.
Respeito de aia, rigidez de devoto
O ex-presidente, ex-senador e imortal da Academia Brasileia de Letras José Sarney já amarga aos 86 anos o ostracismo no noticiário político da mídia, quebrado, vez ou outra, por alguma delação premiada na Lava jato que envolve o seu nome. A sua filha e ex-governadora Roseana também ressurgiu recentemente, em manchetes pouco edificantes, como ré acusada de fraudar o erário em cerca de R$ 500 milhões. E Sarney Neto, também ele já carrega o prefixo ex, é ex-deputado estadual. Mas não se enganem: o sobrenome que um dia mandou e desmandou no Maranhão e nesse Brasil verga mas não quebra diante do anonimato, nem da perda de poder, porque há no Brasil o poder da tradição (sim, sim, e da fortuna e de terras também), ainda que se esvaia o poder político. Falou-se no sisudo Sarney Neto. Pois bem, a publicitária Mariana Menezes de Araújo Costa Pinto, que foi assassinada, era filha desse Sarney e sobrinha-neta do Sarney patriarca. Pode-se argumentar de que se trata de uma geração longínqua. Bobagem, patriarcado é patriarcado, todas as gerações dos Sarney se tratam, parafraseando Eça de Queiroz em “A tragédia da Rua das Flores”, “com respeito de aia e rigidez de devoto”. Sangue é sangue, ancestrais e descendentes, todos são um só DNA. A dor de toda família Sarney está grande, o crime da avenida São Luís Rei de França é o que eles não mereciam à essa altura da vida.
A devoção de Mariana, agora não a devoção familiar como na obra de Eça, mas sim a religiosa, se dava no Templo Evangélico Batista Olho d’Água, também frequentado por seus parentes próximos – inclusive pelo cunhado assassino, embora os pastores digam que ele não integrava o seleto grupo de louvor a Jesus. Isso, no entanto, é fala de hoje, de agora que ele está no inferno do presídio de Pedrinhas, lotado com três mil presidiários comandados por três facções criminosas – a mais boazinha decapita o desafeto e faz de sua cabeça bola de futebol como se viu numa rebelião no ano passado (em 2014). Há foto, sim, mostrando o cunhado no grupo de louvor, e isso não denigre em nada a imagem no templo. E quem é ele? Já é tempo de dar-lhe nome e perfil: Lucas Leite Ribeiro Porto, 37 anos, empresário muito bem-sucedido e herdeiro do grupo Planta Engenharia, uma das construtoras mais atuantes no Maranhão. Lucas acabara de realizar um de seus sonhos grandiosos com o lançamento do empreendimento Planta Tower, ele como gestor, e esse era o seu desejo saudável, o de crescer financeiramente enquanto empreendedor. Fosse o destino padrinho de dar-lhe somente um desejo…! Mas não, deu-lhe outro, e esse outro era doentio, sombrio, obnubilado, imoral e antiético: como ele disse à polícia, “o desejo incontido de possuir sexualmente Mariana”. É de nausear.
Tudo que o clã Sarney não precisava nesse difícil momento de seu declínio social e político era de um crime passional na família. Foi o que aconteceu
Encerrada a festa de aniversário do templo, Lucas levou em seu carro Mariana e as duas filhas dela (onze e nove anos) ao prédio da rua de nome nobre, onde ela morava. Chegaram às 14h36m, cerca de três minutos depois o empresário partiu. Partiu mas retornou, às 15h11m, subiu pelo elevador ao apartamento da cunhada e lá permaneceu 40 minutos. Eis que ele reaparece diante das câmeras distribuídas no interior do edifico, agitado demais, transtornado demais, braços e rosto com arranhões – sim, a vítima Mariana lutou com Lucas, repeliu-o em seu assédio. Repelido, veio a raiva que é misto de desejo e ódio, e aos loucos excita ainda mais. Com a raiva veio o estupro; do estupro à asfixia é caminho curto nos movimentos robotizados da psicopatia. Facilmente preso porque as câmeras mostram que foi o único a entrar no apartamento, Lucas contou que, ao retornar, encontrou a cunhada nua na cama e “não resisti à vontade”. Faz-se aqui as seguintes indagações, desculpem se óbvias, mas convém registrá-las porque a polícia não as fez: senhor Lucas, a porta do apartamento estava aberta quando o senhor voltou? Se não estava, o senhor tinha a chave do apartamento?
De rotina de casa e de oração fazia-se o dia-a-dia de Carolina Costa, esposa de Lucas e, portanto, irmã da vítima Mariana. Fazia-se e faz-se, só que agora acrescido da dor da perda, dor que o tempo concilia também com a rotina diária para que sobrevivamos emocionalmente. A publicitária Mariana, da mesma forma, quando não estava lecionando na Universidade Ceuma nem orando na Igreja Batista Olho d’Água, permanecia em casa. Em seu sepultamento, ouviu-se pela voz chorosa de Carolina o hino de louvor que a irmã vivia a cantar: “Por toda minha vida, Senhor te louvarei, pois meu fôlego é tua vida e nunca me cansarei”. Se é a vida e o mundo uma mesa de bilhar, como definiu ironicamente Machado de Assis, na qual uma bola bate em outra bola, que, por sua vez, movimentará uma terceira boa, e assim sucessivamente, é inevitável que também a vida de Carolina já seja diversa da vida antiga, seu presente foi rasgado nos 40 minutos que seu marido esteve no apartamento de Mariana. Como é ser, então, mulher de preso de Pedrinhas? Ah, as perguntas que nos passam pela cabeça, mais uma vez o leitor que desculpe, mas como não indagar? Senhora Carolina, antes do crime, como era ser esposa de Lucas, sempre tão enrolado com a polícia? E em coisa pesada: estelionato, porte ilegal de arma, falsa comunicação de crime ao forjar roubo de veículo para tentar ressarcimento de seguradora. Deu no que deu, é o bater sem fim das bolas de bilhar.
Riqueza, poder, sobrenomes longos e tradicionais. Falta um importante personagem nessa crônica familiar, deixado para o fim não por esquecimento nem desprezo, mas intencionalmente: o marido da vítima Mariana, o agropecuarista Marcos Renato, herdeiro da indústria de laticínios São José, na zona rural maranhense de Itapecuru-Mirim. Ao contrário dos negócios do algoz de sua mulher, a atividade empresarial de Marcos Renato e seu pai, José Renato, não seguiam de vento em popa havia dois anos, desde que autoridades sanitárias interditaram a empresa pela falta de atestados de saúde para seu funcionamento e devido à ausência de exames microbiológicas dos produtos – e dos supermercados foram retirados das prateleiras tudo o que a São José produzia. Fazendo-se a transposição do mundo profissional para o universo caseiro, ali na São Luís Rei de França, clareará o motivo pelo qual Marcos Renato foi deixado de propósito para o final dessa história. Há muita maledicência, muito falatório, boataria que desce e sobre a rua, mas as duas últimas perguntas fundamentais e conclusivas têm de ser feitas para ele, precisam saltar da garganta para esse texto. Marcos Renato pode ser a chave dessa história, por isso reservamos-lhe o fim: por que dizem com tanta convicção que o senhor era menos presente na vida de sua esposa do que o cunhado que a matou? Por que o senhor não foi à festa do templo no domingo? Por que… deixa para lá, esquece, agora está todo mundo excessivamente dolorido. E a ferida será ainda mais sangrada pelo dever de ofício da polícia que seguirá duas hipóteses. A primeira: Lucas teria relações homossexuais, Mariana descobrira o segredo e ameaçava revelá-lo à irmã. Por isso morreu. Ela própria, Mariana, ficara indignada porque nutria, digamos, certa admiração por Lucas, e ia espalhar a história do homossexualismo para todo o mundo. Também por isso morreu. Mas deixemos as suposições ao encargo da polícia, que ganha para isso, e assim afasto de mim e do leitor o cálice dos devaneios que levam a falsas conclusões. O que é impossível afastar da memória coletiva, porque todos esses personagens são famosos e poderosos, é que aconteceu um crime no clã Sarney. E os já baqueados Sarney não esquecerão jamais de uma rua de rei na ensolarada São Luis do Maranhão.