Tudo
indica que Lula recebeu favores das empreiteiras, e as autoridades estão
cumprindo seu dever quando investigam a natureza desses favores. Mas a história
mais ampla sobre política brasileira que foi contada na quarta-feira é muito
ruim. Ela parece ser a base para a acusação de que Lula era o "comandante
supremo" da "propinocracia". Isso não vale.
Na visão do
procurador Deltan Dallagnol, o PT montou um sistema de distribuição de cargos e
propinas que garantiu uma "governabilidade corrompida", visando a
"perpetuação criminosa" do PT no poder. No centro do esquema estaria
Lula: sem ele, nenhum dos envolvidos teria sido nomeado para seus cargos. A
roubalheira teve como fonte propinas cobradas do cartel das empreiteiras.
Se Lula
estivesse no centro do esquema, como argumentou o procurador, poderíamos supor
que sua presença nessa rede fosse fundamental para manutenção. Talvez isso seja
eventualmente demonstrado, mas os dados disponíveis não o sugerem.
Tanto o
cartel das empreiteiras quanto os aliados que venderam seu apoio ao PT já
estavam no ramo antes de 2003. O cartel financiou a campanha de todos os
partidos esses anos todos. Só o PT lhes ofereceu favores em troca? Os
fisiológicos apoiaram FHC por oito anos, deslocaram-se em massa para o PT até
recentemente e agora passaram todos para o lado de Temer. Foi só durante a era
petista que essa necessidade de proximidade com a máquina pública foi motivada
por interesses escusos?
É
inteiramente legítimo responsabilizar o PT por ter participado disso, mas dizer
que o sistema foi montado para perpetuar o PT no poder é ridículo. O sistema já
estava ali e, aliás, nunca perpetuou ninguém no poder, justamente porque se
adapta facilmente a mudanças de presidente.
Mas o
principal problema da explicação do procurador não é a injustiça cometida
contra o Partido dos Trabalhadores, que já tem culpas suficientes sem essa. O
problema é quem ganha com a historinha sobre a propinocracia petista.
A
alternância no poder representada pela eleição de Lula em 2002 fortaleceu os
órgãos fiscalizadores. Nem tanto porque o governo do PT, de fato, tomou algumas
boas medidas nesse sentido. Muito mais porque alternância, em si, favorece a
autonomia dos fiscalizadores.
Os petistas
jogaram o jogo enquanto o jogo dava um salto de qualidade e se tornava mais
transparente. Eventualmente, foram pegos. Seus adversários só começaram a
governar sob as novas regras, sob a luz mais forte, recentemente. Estão
brilhando?
Vender essa
história de melhoria sistêmica como uma história de degradação petista é, do ponto
de vista da Procuradoria, chutar contra o próprio gol. Se as denúncias sumirem
após a queda do PT, os novos governantes poderão dizer que isso é normal, pois
a "grande organização criminosa" já terá sido derrotada.
A Lava Jato
é um esboço de um Brasil novo. O tipo de conversa que ouvimos na última
quarta-feira pode torná-la só um instrumento na disputa política do Brasil
antigo.
Seria uma
pena. Esse é o pior momento possível para a esquerda e a Lava Jato brigarem.
Quando a direita tentar matar a operação, ainda vai poder embrulhar o pacote
como bipartidário, mesmo que, como é provável, só um dos lados consiga salvar
seus mandatos.