Fome, violência, desemprego, tráfico de drogas, analfabetismo, despejo, pistolagem, insegurança, racismo estatal, mortalidade infantil, sucateamento das escolas públicas, hospitais que mais parecem praças de guerra, trabalho escravo e precarizado, corrupção, desastre ecológico! Tudo isto faz parte da rotina do Maranhão, que vive hoje várias situações de barbárie e de absoluto desrespeito aos direitos fundamentais das pessoas.
Entre os anos de 2000 e 2012, o Maranhão foi o estado brasileiro onde mais cresceu o número de assassinatos. Neste período, o aumento foi de alarmantes 408%! Desse total de mortos, 85% foram de negros. Entre 2003 e 2013, para cada quatro bolsas família distribuídas aqui, foi gerado apenas um novo emprego! Esta relação entre geração de emprego e bolsa representa apenas 20% da média nacional. Além disso, somos o estado que mais recebe estas bolsas, com quase 60% das famílias que vivem no Maranhão sendo atendidas pelo Programa. Não é por acaso que hoje temos um milhão e meio de maranhenses vivendo fora, num exílio, em busca de trabalho. No Brasil, ninguém migra mais de sua terra que os maranhenses.
Toda esta situação de miséria, sofrimento e dependência faz parte de uma crise que passa pela profunda desigualdade social, concentração de renda e de terras e depravação do poder público em conluio com grandes corporações. Faz parte do cotidiano de um estado que há décadas vive submetido ao domínio de uma estrutura oligárquica e de uma economia predadora. Por isso, o Maranhão é vítima desses mais diferentes flagelos, tendo os piores indicadores sociais do Brasil.
No início deste ano, o mundo inteiro ficou chocado com os problemas oriundos da Penitenciária de Pedrinhas, em São Luís. Esta é uma das consequências do que estamos falando. Pedrinhas, a catástrofe, é um reflexo dessa crise maior! Sendo assim, é lógico que o Maranhão precisa de mudanças! Porém, é impossível falar em mudar esta trágica realidade, sem tratar de duas questões:
1º - O modelo de desenvolvimento econômico.
2º - A democratização do Estado.
Economia assassina
Um dos principais problemas do Maranhão, responsável por várias de nossas misérias, são os grandes empreendimentos empresariais (os chamados grandes projetos) implantados em nossa terra, ganhando bilhões, explorando trabalhadores, destruindo riquezas naturais e produzindo inúmeros impactos negativos.
O maior exemplo é o Programa Grande Carajás, que há mais de 30 anos tem como principal agente a empresa Vale, ligada à exploração de minério na serra de Carajás. Dona do Porto de Ponta da Madeira, na ilha de São Luís, e da Estrada de Ferro Carajás, essa empresa passa com o seu gigantesco trem pelo Maranhão, carregando “ouro em pó”, gerando uma quantidade insignificante de empregos (se comparado aos lucros obtidos), atuando com isenção fiscal, matando pessoas e animais, provocando devastação ambiental e todo tipo de poluição, agredindo culturas tradicionais e agindo em sintonia com a expansão do latifúndio, da grilagem, do trabalho escravo e da extração ilegal de madeira, com destaque para terras indígenas e unidades de conservação.
Um exemplo específico de desastre social provocado pela Vale e por empresas a ela ligadas é o povoado de Piquiá de Baixo, em Açailândia. Sufocados pela poluição de usinas de produção de ferro gusa, os moradores, há mais de uma década, cobram das empresas e do poder público sua remoção para outro lugar. A solução do problema é sempre adiada, constituindo-se em caso emblemático no Brasil de racismo ambiental e de violência absurda e silenciada, resultante de décadas de conivência dos agentes públicos com o modelo econômico.
Empresas como Alumar, Suzano Papel e Celulose, Eneva (Termelétrica Porto do Itaqui), além de grandes projetos de monocultivos, pecuária extensiva, carvoaria, turismo, pesca predatória, exploração de gás natural e petróleo, são outros exemplos desses enormes empreendimentos que, no geral, prejudicam os maranhenses, na medida em que intensificam o histórico desrespeito a direitos trabalhistas, estão vinculadas ao poder descontrolado do capital e aproveitam-se da fragilidade e cumplicidade dos órgãos de fiscalização.
Outra calamidade, fruto deste modelo econômico, é a questão fundiária. Entre todos os estados brasileiros, o Maranhão é um dos que tem a maior concentração de terras e o maior número de conflitos e assassinatos no campo. O latifúndio avança a partir de fraudes de documentos, feitas com a conivência de cartórios e autoridades públicas. Tudo para legalizar a grilagem, o roubo das terras, feito por empresas e fazendeiros.
E hoje, quando se trata deste problema, estamos falando também de soja, cana de açúcar, eucalipto, enfim, do agronegócio, que entre várias consequências, além de mortes e conflitos, provoca êxodo rural, aumento do custo da terra, inchaço das cidades, violência urbana e a ausência de uma produção agrícola voltada para a produção de alimentos mais baratos e saudáveis, através da agricultura familiar. Como resultado, hoje o Maranhão importa arroz até do Vietnã, quando já foi, há algumas décadas, um dos maiores produtores do Brasil!
A solução passa pela reforma agrária, pela titulação de territórios quilombolas e de comunidades tradicionais e demarcação de terras indígenas, bem como pelo reconhecimento da legitimidade da existência destes grupos sociais com organização cultural diferenciada, com proteção dos seus territórios. No caso dos municípios próximos a terras indígenas, é preciso repensar a economia destas regiões, que vivem submetidas a madeireiros (que em alguns casos são deputados, prefeitos e secretários de estado) e outros criminosos que exploram a floresta e seus povos. Isso faz parte de uma mudança maior, que implica, também, em repensar de forma mais ampla e profunda todo o modelo econômico implementado hoje no Maranhão.
Um Estado que age contra a sociedade
O Brasil inteiro sabe que o Maranhão vem sendo dominado por uma estrutura oligárquica. Uma estrutura herdada, reestruturada e comandada pelo hoje decadente senador José Sarney (PMDB-AP), sendo avalista do nefasto modelo de desenvolvimento econômico, especialmente dos exploradores do minério e dos latifundiários-grileiros. Além disso, na prática, esta oligarquia também degenera e inviabiliza, consideravelmente, o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, além de setores do Ministério Público. Hoje, além do velho patrimonialismo, nossas instituições estão submetidas ao crime organizado, máfias, gangues de agiotas.
O modelo de desenvolvimento e o Estado oligárquico, unidos, geram mazelas como, por exemplo, as liminares de despejo contra camponeses. Trata-se de uma rotina no Maranhão! Iniciativas de membros do Judiciário, associados ao Poder Executivo estadual, com conivência e/ou omissão do Legislativo, permitem que pistoleiros e policiais militares destruam moradias e plantações, matem, prendam, deixem famílias desabrigadas e, em grande parte dos casos, sem ao menos o direito de registrar ocorrências em delegacias de polícia. Essas iniciativas favorecem os mesmos que cometem as fraudes nos cartórios.
Outra forma de violência é o abandono da educação escolar, pois esse mesmo Estado oferece um serviço público que vai além da inoperância, prevalecendo um ambiente brutal. Hoje, quando se lança este manifesto, várias escolas estão simplesmente fechadas, entregues a “reformas”, em pleno ano letivo. E quando têm aulas, professores e alunos ficam vulneráveis a ação do tráfico de drogas, a ponto de estudantes adolescentes - as maiores vítimas deste processo - entrarem com armas de fogo nos colégios! Os índices oficiais revelam os resultados do abandono.
Além disso, faltam políticas específicas voltadas para a educação no campo. Já as escolas indígenas padecem de precariedades ainda maiores, pois, desde 1999, o governo estadual não reconheceu a legislação federal e não criou as categorias de escola e professor indígenas, dessa forma, as escolas não existem de direito e muitas não têm condições de funcionar.
Nos municípios e regiões do interior do Maranhão, os serviços públicos são precários e sem qualidade, a fiscalização é ineficiente e o cidadão desprotegido. Faltam núcleos da Defensoria Pública, promotores públicos, varas judiciárias que possam lidar minimamente com os diferentes conflitos. Uma das consequências é a impunidade de latifundiários, pistoleiros e grileiros, ao mesmo tempo em que ocorre a criminalização de lideranças e da própria sociedade civil organizada como um todo, quando essa critica o papel do Estado, sua presença seletiva ou sua cumplicidade com poderes escusos. Também podemos destacar a permanente vulnerabilidade de mulheres, crianças e idosos, sujeitos às mais variadas formas de violência.
A dívida pública do Maranhão é de 7,9 bilhões, o que corresponde a mais de 55% do orçamento anual do Estado, que é de 14 bilhões. Essa dívida, que em tese foi feita para que houvesse mais investimentos junto à população, passa na verdade pelo financiamento de campanhas eleitorais, inclusive de muitos dos que hoje se colocam no papel de dissidentes da oligarquia. Sendo assim, seria fundamental uma auditoria sobre este débito. Temos o direito de saber a origem desse rombo e de como todo este dinheiro foi gasto.
Diante destes antigos problemas, o debate público é prejudicado, pois a concentração dos meios de comunicação, no Maranhão, também é a maior do Brasil. Os tradicionais veículos estão nas mãos da oligarquia e/ou são sustentados com dinheiro público, em mais uma atividade marcada pela ilegalidade, envolvendo agências de publicidade que transitam pelos grupos políticos mais fortes, num ambiente onde não existe qualquer transparência.
Este ano, o senador José Sarney está encerrando a sua carreira parlamentar, derrotado pela opinião pública e por seus próprios erros. Porém, esta estrutura ficará intacta. Até um museu, montado a partir de sucessivas ilegalidades e sustentado pelo Estado, estará mantido no Centro Histórico de São Luís, dentro do antigo Convento das Mercês, como um culto à personalidade do oligarca.
Desmontar e superar toda esta estrutura, continuará sendo um dos desafios da sociedade maranhense, para os anos vindouros. A mudança que precisamos não pode se restringir a nomes, discursos ou grupos políticos. A estrutura oligárquica somente deixará de se reproduzir se outras práticas, compromissos, prioridades forem implementados e se o modelo de desenvolvimento for confrontado.
A nossa agenda
Estes são alguns pontos que estamos levantando, sem a mínima pretensão de esgotar esta discussão e com o desejo de ampliá-la. Queremos também - num ano de eleições gerais - colocar na agenda pública questões que normalmente, salve honrosas exceções, têm ficado fora dos assuntos tratados nas sucessivas disputas político/partidárias, ocorridas em nosso estado.
A partir da conjuntura brasileira do biênio 2013/2014, marcada pelas manifestações de rua em todas as regiões do país e por movimentos locais de resistência e luta, queremos agir e refletir, mais profundamente, sobre estas questões maranhenses, sem estar submetidos a interesses meramente eleitorais.
Para mudar esta nossa realidade é fundamental organização social, formação, articulação de diferentes lutas, mobilização e ampla participação popular. Se, no Brasil, muitos falam em uma crise de representação, no Maranhão, esta representação praticamente faliu. A “nossa” classe política, com raras exceções, não é servidora pública, mas sim um bando, atuando para saquear o Estado.
Neste cenário, o nosso papel, o papel da sociedade, é de exigir que o Estado seja orientado pelos interesses na maioria da população, que coincide com aquela parcela majoritária e mais vulnerável em todos os aspectos. Além disso, temos que ampliar e continuar a fazer o enfrentamento a esse modelo de desenvolvimento predador, imposto pelo poder econômico e político. Um modelo que enxerga tradicionais modos de vida, ambientes, territórios, grupos sociais e modos de produção como obstáculos ao desenvolvimento. Seguiremos na resistência! Continuaremos a nos opor a esta noção de progresso e modernidade.
Para tanto, nossa agenda se pauta por:
1) Reforma agrária e urbana; regularização fundiária de terras indígenas, quilombolas, de comunidades tradicionais e de comunidades urbanas; combate à especulação imobiliária; fim dos despejos no campo e na cidade.
2) Priorização da agricultura familiar e camponesa, da economia de extrativismo de povos e populações tradicionais, da economia solidária e da pequena produção; respeito, proteção e reconhecimento dos povos e populações tradicionais e de seus modos de vida por parte do Estado, com políticas que imponham limites para que as grandes corporações e o agronegócio não avance de forma predadora como tem ocorrido sob a proteção do aparto estatal em suas mais variadas formas de atuação (isenções fiscais, aparato repressivo etc.); regularização das áreas de proteção ambiental já criadas no Estado, com proteção às populações nela inseridas de acordo com a Legislação específica, como é o caso das reservas extrativistas criadas; remoção imediata dos empecilhos colocados pelo Governo do Estado para criação de novas áreas, que apenas aguardam o assentimento do Governo do Estado, como é o caso da Reserva Extrativista do Tauá-Mirim.
3) Efetiva fiscalização trabalhista e ambiental; geração de emprego e renda; combate efetivo ao trabalho escravo em suas várias modalidades.
4) Efetivação de sistema de saúde público e de qualidade; ampliação do atendimento; respeito às tradições e formas populares de enfretamento a problemas de saúde; combate à monetarização e privatização da saúde, que não deve ser objeto de favorecimentos de máfias, aparelhamentos e barganhas políticas.
5) Melhoria da qualidade de ensino; combate ao favorecimento, aparelhamento e barganhas políticas das escolas; reforma e democratização do ensino público, com eleições diretas para cargos de direção nas escolas; construção e melhoria de escolas no campo e na cidade; respeito às especificidades de comunidades tradicionais, povos indígenas e camponeses, garantindo sua participação na elaboração de políticas educacionais. Efetiva priorização da Educação, abrangendo, ainda, a valorização do trabalhador da Educação (técnicos, docentes e todos os profissionais que trabalham na área).
6) Combate à violência urbana e rural; humanização e não privatização do sistema penitenciário; controle social da estrutura de repressão do estado; fim do extermínio de jovens negros e pobres; combate à impunidade; respeito ao direito de culto, em especial com relação às religiões de matriz afrobrasileira; combate à violência contra a mulher, crianças, idosos, homoafetivos; fim do racismo institucional.
7) Implementação de instrumentos de transparência dos serviços públicos; combate à corrupção; controle social das várias instâncias do Estado.
8) Democratização ao acesso de bens culturais; transparência na destinação de recursos para as manifestações culturais, fim da privatização de festas tradicionais e populares, fim do aparelhamento político das manifestações lúdicas.
9) Combate ao desmatamento e às práticas de madeireiros; regularização e fiscalização de unidade de conservação, respeitando os direitos de povos e populações tradicionais; combate à poluição; conservação dos biomas maranhenses (cerrado, campos alagados, floresta amazônica, florestas de babaçuais, caatinga, manguezais); preservação dos rios e da qualidade da água; fim da corrupção na liberação de licenças, alvarás e permissões nos órgãos ambientais; construção de instrumentos efetivos de participação nos processos decisórios relativos ao meio ambiente; efetiva estruturação econômica e técnica dos órgãos estatais de regulação e fiscalização ambiental.
10) Apuração rigorosa e punição aos mandantes e executores de assassinatos dos camponeses, indígenas e quilombolas, como foram os assassinatos emblemáticos das lideranças do campo Flaviano, Brechó, Cabeça, dentre outros, que seguem sem qualquer resposta dos órgãos do estado que, em tese, deveriam tratar com igualdade todos os casos de violência contra cidadãos maranhenses.
Por fim, queremos reafirmar a nossa convicção de que a rua, a praça pública, os protestos e as diferentes formas de ocupação, estão entre os melhores espaços e iniciativas para exigir, reivindicar e travar a luta política. Assim como em todo o Brasil, passa por aí o caminho para as nossas futuras conquistas sociais.
São Luís (MA), setembro de 2014.
Comissão Pastoral da Terra (CPT-MA)
Cáritas Brasileira Regional Maranhão
Conselho Indigenista Missionário (CIMI-MA)
Movimentos dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)
Jornal Vias de Fato
Movimento Quilombola do Maranhão (MOQUIBOM)
Fóruns e Redes de Defesa dos Direitos da Cidadania
CSP Conlutas - Central Sindical Popular
Comissão Nacional para o Fortalecimento das Reservas Costeiras Marinhas (CONFREM)
Centro de Apoio e Pesquisa a Pescadores Artesanais do Maranhão (CAPPAM).
Sindicato dos Trabalhadores do Judiciário Federal e MPU do Maranhão (SINTRAJUFE/MA).
Grupo de estudos Lida/UEMA – Luta Sociais Igualde e Diversidades
Coordenação Regional da Executiva Nacional dos Estudantes de Serviço Social (ENESSO) - Região 1
RUA – Juventude Anticapitalista (Imperatriz)
UC - Unidade Classista - Imperatriz-MA
Centro Acadêmico de Serviço Social - UFMA
Centro Acadêmico de Geografia da UFMA Gestão "Refazendo Caminhos"
Assentamento Viva Deus - Estrada do Arroz - Imperatriz-MA
Movimento de Resgate do Grande Santa Rita - Imperatriz-MA
Sindicato de Pescadores e Pescadoras do município de Icatu
Cooperativa de pescadores artesanais do município de Carutapera
Sindicato de Pescadores de Cururupu
Associação das comunidades da reserva extrativista de Cururupu