sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

O aborto e o Código Penal - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR


Comissão de senadores freou a tentativa de legalizar o aborto até a 12ª semana, como queriam os juristas que elaboraram o novo Código

    A comissão especial de senadores que analisou o projeto de um novo Código Penal encerrou seus trabalhos no dia 17, após se debruçar por meses sobre o texto elaborado por uma comissão de juristas a pedido do ex-presidente do Senado José Sarney. O texto original, dominado pela ideologia do “politicamente correto”, se mostrava permeado por um profundo desprezo pela dignidade humana, motivo pelo qual a comissão resistiu às pressões (do próprio Sarney, inclusive) para que a tramitação fosse a mais veloz possível. O relatório final, do senador Pedro Taques (PDT-MT), traz diversas mudanças elogiáveis, das quais uma das mais importantes contempla a legislação sobre o aborto.
    A primeira versão do novo Código Penal, elaborada pela comissão de juristas, previa um gravíssimo atentado à vida humana ao permitir o aborto nas primeiras 12 semanas de gestação “se por vontade da gestante (...), quando o médico ou psicólogo constatar que a mulher não apresenta condições psicológicas de arcar com a maternidade”, um conceito tão vago que, na prática, abriria as portas à livre prática da eliminação de seres humanos indefesos e inocentes, bastando um laudo que muitos médicos e psicólogos favoráveis à legalização do aborto concederiam de bom grado. O procurador Luiz Carlos Gonçalves, coordenador da comissão de juristas, chegou a “reconhecer orgulhosamente”, em um programa do canal Globo News, que estava promovendo a legalização do aborto.
Felizmente, todo este trecho foi suprimido na versão aprovada pelos senadores. Vale a pena ler a argumentação de Taques a respeito do tema, nas páginas 158 a 174 do relatório. É uma defesa contundente do direito à vida: rechaça a noção de que o aborto é um debate de cunho religioso; reforça o consenso científico a respeito do início da vida humana já na concepção; denuncia as estratégias de desumanização do nascituro (como a linguagem que pretende descrevê-lo como “amontoado de células”); contesta os argumentos baseados na autonomia da mulher, que teria o direito de “dispor do seu próprio corpo”, como se o filho fosse parte de seu organismo, e não um outro ser humano. Em resumo, é um texto que merece ser lido, analisado e debatido tanto por defensores quanto por opositores da legalização do aborto.
    Assim, permaneceram, no relatório de Pedro Taques, as circunstâncias em que a legislação atual já não previa punição pelo aborto: em caso de estupro e quando “não há outro meio de salvar a vida da gestante”. Acrescentou-se ainda um novo inciso, em que o aborto fica permitido “se comprovada a anencefalia ou quando o feto padecer de graves e incuráveis anomalias que inviabilizem a vida extrauterina, em ambos os casos atestado por dois médicos”. O aborto em caso de anencefalia já havia sido autorizado pelo Supremo Tribunal Federal, mas o caso de “graves e incuráveis anomalias” é uma inovação da comissão de juristas e que permaneceu no projeto, abrindo as portas aos horrores do aborto eugênico.
     A Gazeta do Povo reafirma seu compromisso com a defesa incondicional da vida desde a concepção, mas não é nossa intenção discutir, neste exato momento, a questão do aborto em caso de estupro ou de anencefalia. São temas que demandariam uma análise mais detalhada, que vai muito além do debate sobre o Código Penal. Interessa-nos, aqui, ressaltar a atitude dos senadores, que rejeitaram por ampla maioria (a exceção mais notável foi a do tucano Aloysio Nunes Ferreira, que defendeu até o fim a manutenção do aborto livre até a 12.ª semana) a introdução, na legislação sobre o aborto, de novidades completamente ofensivas à dignidade humana.
    A maneira como uma sociedade trata seus membros mais vulneráveis é um forte indicativo de seu grau de civilidade. Praticamente todos concordamos, por exemplo, que os pobres, os doentes, os idosos, as crianças merecem atenção e proteção especiais. Também os nascituros, os mais indefesos e inocentes entre os seres humanos, precisam ser defendidos de uma ideologia que pretende tratá-los como objetos descartáveis, segundo a conveniência de cada um. Essa mentalidade guiou os juristas que elaboraram o anteprojeto do Código Penal que tramita no Senado, mas felizmente foi rechaçada pelos senadores. Poderiam ter feito mais; mesmo assim, é preciso parabenizá-los por não dar passagem livre aos arautos da cultura da morte.