"Em 1927, nova turnê, empresariada por Brandão Sobrinho. Dessa vez foram para o Norte do Brasil: o Maranhão. No final da temporada, uma placa homenageava Vicente Celestino no Teatro São Luís do Maranhão, testemunhando a simpatia do povo pelo cantor. Durante essa temporada, Vicente foi visitar o cemitério. Lá chegando, encontrou algumas pessoas em cima do muro, pedindo esmola. Vicente viu, com os próprios olhos, a grande desgraça daquelas pessoas, que eram portadoras de lepra. Ele não prometeu nada, mas, no dia seguinte, a cidade ficou assombrada. Com a companhia, em peso, Vicente percorreu a cidade toda arrecadando mantimentos para aquela gente. Assim, conseguiram alimento em grande quantidade. Inúmeros sacos de arroz e feijão foram angariados. Dezenas de pares de sapatos, cobertores em quantidade, lençóis, remédios e tudo o que era possível foi arranjado. O povo do Maranhão, caritativo e religioso, aderiu ao belo gesto do já famoso tenor. Aqueles que necessitavam do auxílio maravilharam-se quando chegaram carroças cheias do que tanto precisavam.
Chegou o dia da festa de Vicente. Entre os mimos recebidos por ele, uma grande caixa – dentro da qual encontrou um violoncelo novinho em folha. Não havia nenhum cartão. Quem sabe, o presente fora agradecimento dos beneficiados com a iniciativa caridosa do Vicente, retribuindo o tanto que o cantor fizera por eles? Mais tarde, Vicente, que não sabia tocar violoncelo, trocou-o por um esplêndido violão, o qual conservou até seus últimos dias.
Depois seguiram para Belém...
A companhia deixou Belém, voltando ao Maranhão. Encenou, nessa temporada, o célebre drama sacro O mártir do calvário. A impressão que Vicente causou a todos foi tanta, que verdadeiras romarias desfilaram pela frente do teatro, exigindo sua presença, caracterizado na simbólica figura do Nazareno. Apesar dos esforços quase desesperados do ator, que procurava impedi-los, muito se ajoelhavam à sua frente. A peça ficou quinze dias em cartaz, fato raro no Teatro São Luís do Maranhão.
(págs. 56 e 57)
Despedimo-nos dos nossos amigos, seguimos de avião para São Luís do Maranhão. Lá, compareci ao Clube do Violão e recebi uma grande homenagem.
Estreamos no Teatro de São Luís do Maranhão, e o espetáculo foi irradiado pela emissora oficial do governo do estado, que nos contratou. Lembrei-me das minhas temporadas passadas, quando cantava operetas vienenses e brasileiras.
Casa onde viveu Catulo da Paixão Cearense, na Rua Grande |
Reencontrei o camarim onde me vestia para as operetas. Que saudade!Dei um grande suspiro, e caminhando pelo teatro passei diante de um busto de mulher que fora uma figura marcante, uma atriz brasileira chamada Apolônia Pinto, que sempre honrou o teatro de sua pátria. Foi ali, naquele camarim, que ela nasceu. O teatro foi seu berço, e mais tarde a menina retribuiu o carinho recebido, elevando ao alto o prestígio do teatro brasileiro.
Aproveitei a folga e fiz questão de visitar a casa onde nasceu o insubstituível Catulo da Paixão Cearense, que, como ninguém, soube cantar a natureza de sua pátria!À tarde cantei no clube da cidade, mas depois de todo esse imenso sucesso, precisei esperar seis meses para receber meus honorários. Bem, isso acontece com tanta gente boa, não é mesmo? Por que não haveria de acontecer comigo?Enfim, no seguinte, a bordo de um avião, partimos para Natal. "
(págs. 121 e 122)
Do livro “Minha Vida com Vicente Celestino”, Gilda de Abreu (Butterfly Editora, 2003)