domingo, 31 de março de 2024

Memória de Marielle vive por Marinete Silva

 

Marinete e Antonio, pais de Marielle Franco — Foto: Leo Martins / Agencia O Globo

O assassinato de minha filha no dia 14 de março de 2018 foi o episódio mais difícil da minha vida. Perdi a Mari de forma violenta, cruel e inesperada. Foram 2.202 dias sem respostas, com vazamentos de informações sensíveis, tapinhas nas costas que não nos traziam nenhum conforto, até chegarmos ao último domingo, dia que entrou para a História do Brasil

Foi num Domingo de Ramos, data cristã que simboliza justiça, renovação e fé, que recebemos a informação da prisão provisória dos dois supostos mandantes e de um idealizador do assassinato de Marielle. Infelizmente, autoridades que, num primeiro momento, nos acolheram enquanto sofríamos e chorávamos a morte dela e de Anderson participaram do plano que tirou a vida da minha filha. Nos prometeram justiça, mas tramaram contra a vida dela. Não realizaram as diligências necessárias, sabotaram o processo, foram muitas idas e vindas, saídas de promotores e ameaças, e hoje tudo faz sentido.

Agora, nesta nova etapa em que os mandantes foram identificados, revivo tudo o que passei nos meses e eleições que se seguiram à morte da minha filha. Vejo, mais uma vez, pessoas de todos os campos políticos tentando se promover em cima da memória da Mari, com uma investida de várias partes, tentando ganhar notoriedade e se apropriar politicamente do caso, que agora entra numa nova fase. Como mãe, sinto um misto de tristeza e revolta com toda essa repercussão negativa e tentativa de apagar ou reduzir a memória da minha filha.

O oportunismo de uns e outros é uma situação que abomino, principalmente se for sobre a dor da nossa família, que sempre esteve ao lado da Justiça, e sempre por caminhos corretos, desde o ativismo de Marielle enquanto defensora dos direitos humanos até os dias de hoje, quando queremos que a justiça seja feita em seu nome. Não podemos esquecer o que Marielle exercia enquanto cidadã, seja no Parlamento, nas ruas, ou na sua vida pessoal, como filha, mãe, irmã, esposa e amiga, sempre teve uma postura alinhada à justiça e ao combate a qualquer opressão.

O caso de minha filha é uma mancha da democracia do nosso país e, como sempre falamos, nossa democracia só voltará a viver tempos verdadeiramente melhores quando tivermos respostas e justiça. Nesse caso, a justiça que queremos vai além da responsabilização dos executores e dos mandantes desse crime político. O que eu e minha família buscamos é uma justiça que responsabilize os autores do crime, com reparação para nós, e garanta a não repetição, ou seja, previna que outras mulheres negras e pessoas LGBTQIA+ vivenciem a terrível violência que minha filha passou. E garantam que nenhuma outra vida seja interrompida.

Por isso mais uma vez enfatizo que é inadmissível o posicionamento de pessoas falando do processo como se fossem do sangue da Marielle ou sofressem as dores das famílias que passaram por isso. Sobrevivemos por longos seis anos sem nenhuma resposta concreta ou que trouxesse luz e esperança para nós. Mas sobrevivemos por ela, por esse ser humano que gerei e só nos dá orgulho, que veio ao mundo para encantar, florescer, ser uma semente viva e mudar as estruturas deste país e também do mundo.

Por aqui, seguiremos com toda a sociedade brasileira fazendo a política no dia a dia e em todos dias, fazendo política ao me manter viva e de pé, com afeto e compromisso com as vidas de todas as mulheres negras, desenhando e construindo a transformação do nosso Estado. Como Marielle fez, e como hoje Anielle também faz, com muito respeito pela história da nossa família e por todas as mães que perderam seus filhos e filhas pela violência do Estado.

*Marinete Silva é mãe de Marielle Fran