Mary Ferreira, professora e pesquisadora da UFMA, militante do Partido dos Trabalhadores
Aprendi
desde muito cedo que ser mulher e ser pobre em uma sociedade machista, racista,
marcada por relações de classe só tinha um destino: ser mulher de alguém, ser
puta ou estudar de forma incansável para dominar a linguagem, o conhecimento
científico e poder enfrentar o poder do dinheiro que nos oprimia e de todas as
maneiras tentam nos silenciar. As escolhas que fiz ao longo de minha trajetória
política e intelectual, não foram diferentes de tantas mulheres que
empreenderam o mesmo caminho. Minha passagem pelo movimento estudantil,
sindical e opção pelo movimento feminista me deram conhecimento, força,
grandeza e humildade para saber do papel social e político que deveria seguir.
Meus esforços de militar politicamente em um partido político de esquerda foram
muitas vezes deslegitimados pela forma como enfrentei em muitos momentos os
machismos incrustados nele. Quando recupero minha história política, lembro que
um dos primeiros embates que enfrentei foi na campanha de 1985 pelo PMDB, quando
naquele momento histórico ousei colocar a importância das bandeiras feministas
no debate da campanha – que não foi muito bem digerido –, entretanto, minha
fala ainda tímida mostrava clareza e consciência da importância das mulheres e
das nossas bandeiras na luta política, especialmente em períodos de campanha
eleitoral.
Após
esse episódio, continuei juntamente com várias companheiras do Fórum Maranhense
de Mulheres, criado em 1986, juntamente com outras organizações feministas, a
construir ações políticas afirmando a importância das mulheres na construção de
uma sociedade que almejamos democrática, justa e igual. Nestes longos 42 anos
de luta, contribuímos com a criação de vários organismos de políticas para as
mulheres, estivemos juntas em todas as lutas que buscaram defender a cidadania
das mulheres e o direito à vida, segurança, educação e ao trabalho. Esta luta árdua
e de muitos enfrentamentos sempre partilhados pelos inúmeros grupos feministas
possibilitou visibilizar a opressão que ainda somos vítimas nas esferas: tanto
pública, como privada.
Recentemente
estivemos compondo juntamente com várias companheiras a Comissão Científica do Mais Mulheres na Política. Na
oportunidade apresentamos os resultados de inúmeras pesquisas que desenvolvemos
as quais demonstram a incompletude da democracia brasileira e de como a
sub-representação silencia as mulheres interditando seu direito à cidadania e
como esses processos de interdição contribuem para acirrar a violência e
banalizar a opressão sobre nós.
Essa
interdição é bem pontuada pela historiadora Michelle Perrot, quando afirma que
os silêncios impostos às mulheres foi a maneira mais cruel de cerceamento e
negação de sua fala pública. Foi o que tentaram fazer comigo neste domingo no
Encontro de Tática Eleitoral do PT.
Sempre
considerei e considero o conflito como algo necessário, pois é dele que nasce o
consenso e o PT se forjou no debate político enfrentando generais,
latifundiários, madeireiros, o capitalismo de morte que foi sempre um dos
desafios da militância composta em sua maioria por trabalhadores assalariados,
desempregados, subempregados, pobres e intelectuais, que encontraram no PT o
espaço de construção de uma nova história.
O
episódio largamente difundido pela imprensa – e publicado nas redes sociais -,
demonstra a maneira inadequada que fui tratada por um dirigente petista quando
expus minha crítica ao ex-deputado Gastão Vieira, que recentemente agrediu a
mim e vários petistas nas redes sociais, nos chamando de inúteis. Compreendo
essa atitude com uma manifestação intempestiva que denota uma tentativa de
silenciamento das minhas críticas. É importante esclarecer que minutos antes de
ser chamada para defender a Tese do Movimento Petista de Base em defesa de José
Inácio para Vice-Governador, bem como um novo projeto de Partido mais orgânico,
forte, altivo, o ex-deputado Gastão se dirigiu a minha pessoa para pedir
desculpas, mas eu informei ao mesmo que só aceitaria se fosse desculpas
públicas, em virtude da agressão pública que ele tinha praticado contra mim. Ele
se negou. Foi essa tentativa de escamotear o debate que me fizeram expor
publicamente o episódio. Não esperava que parte do Partido dos Trabalhadores,
este Partido que ajudei a construir pudesse levantar uma barreira de proteção
para um agressor, que ao longo de sua trajetória política aprovou a Reforma da
Previdência, a Reforma Trabalhista, defendeu a Privatização das Universidades
Públicas e foi aliado de Bolsonaro em momentos que o povo clamava por Vacina e
lutava para sobreviver na Pandemia. Este senhor não tem perfil de estar conosco
neste projeto de reconstrução do País que se avizinha com a eleição de Lula em
3 de outubro.
O
episódio lamentável condenado por grande parte da classe política e manifestada
nas redes sociais desgastaram o PT, expondo-o, mas, é preciso que se tire
algumas lições:
1.
A
atitude do dirigente petista não retrata a totalidade do Partido dos
Trabalhadores, e os equívocos precisam ser punidos para que fatos como esse não
se tornem prática comum.
2.
Os
Partidos Políticos, precisam considerar as mulheres como sujeitos políticos
importantes nas mudanças que a sociedade precisa fazer urgentemente para diluir
as relações de classe, de gênero e étnico raciais. Não se pode desconsiderar
que o PT foi golpeado recentemente quando tinha à frente do País Dilma
Rousseff, é, portanto, um dos partidos que mais tem apoiado mulheres ao longo
de sua construção. Apesar disso, o machismo que está incrustado em suas
fileiras, ainda é um entrave ao crescimento a presença das mulheres.
3.
Não
se admite mais partidos em que mulheres, negros, pobres e pessoas que residem
nos municípios não tenham vez e voz no cenário político nacional e estadual.
Não se muda uma sociedade só na cidade. O campo precisa estar junto no processo
de construção de uma Estado que possa garantir dignidade para todos os
maranhenses.
4.
As
mulheres não aceitam mais a condição de coadjuvantes das decisões, a paridade
tem que ser respeitada de fato, a disputa política não pode brutalizar as
relações ao ponto de sermos agredid@s quando defendemos pontos de vista
diferentes. Essa é uma das maiores contradições dos Partidos que não sabem
conviver com o divergente.
5.
Observem
que neste cenário fascista que se vive no Brasil, as maiores vítimas da
violência política são as mulheres, e ainda somos acusadas de ter provocado a
violência em uma total inversão dos fatos.
Por tudo isso, consideramos que
os fatos tem que ser colocados tal como ocorreram, o PT tem que se posicionar.
Os Partidos devem criar estratégias de reeducação de sua militância, buscando
assim integrar as mulheres nas suas estruturas garantindo o seu direito de fala,
de manifestação política, o direito de se candidatar com o uso adequado do
Fundo Partidário para de forma efetiva alterar o quadro de sub-representação
que denota a dimensão do machismo e do patriarcado em nossa sociedade. Encerro
enfatizando que:
Liberdade somente para os partidários do governo
não é liberdade. Liberdade é sempre liberdade daquele que pensa de modo diferente. Rosa
de Luxemburgo