Dias após ter comemorado 70 anos de existência, no final de abril, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ) anunciou que, por causa de cortes orçamentários impostos pelo governo, teve de fazer um corte drástico na concessão de bolsas de doutorado e pós-doutorado aprovadas com base em pareceres técnicos emitidos por seus comitês de assessoramento.
Vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações, o CNPQ é a principal agência de fomento à pesquisa do País. Ao lado da Coordenação de Aperfeiçoamento do Pessoal de Ensino Superior (Capes), órgão responsável pela fiscalização e avaliação do sistema de pós-graduação, o CNPQ também é um dos pilares do sistema nacional de ciência, tecnologia e inovação. Desde o início do governo Bolsonaro os dois órgãos vêm passando por graves dificuldades financeiras.
Das 3.080 propostas aprovadas nas diferentes áreas do conhecimento, e cujos beneficiários já haviam sido informados em 15 de março, o CNPQ só poderá financiar 396 – cerca de 13% do total. O critério de escolha privilegiou as propostas que receberam as maiores notas. As outras 2.684 propostas, que envolvem dez categorias de bolsas no Brasil e no exterior, não serão implementadas.
Com valor de R$ 2,2 mil mensais por um período de quatro anos, tempo que leva a formação de um doutor, e de R$ 4,1 mil mensais por um período de dois anos no caso de pósdoutorado, as bolsas do CNPQ são fundamentais para produção de ciência de ponta e ciência aplicada no Brasil. Os doutores em formação são oriundos, em sua grande maioria, das melhores universidades públicas do País.
A comunidade científica, que já fora surpreendida na segunda semana de abril com a indicação de uma desconhecida professora de direito de uma universidade particular para a presidência da Capes, classificou os cortes orçamentários impostos ao CNPQ pela equipe econômica do governo como mais uma etapa do irresponsável desmonte do sistema de ensino de ponta e de desenvolvimento científico brasileiro. “Este cenário só atesta, mais uma vez, a situação precária em que se encontra o financiamento à pesquisa no Brasil. Isso é particularmente mais grave quando se percebe que a ciência é uma parte essencial da solução para essa situação dramática que estamos vivendo”, afirma o físico Sylvio Canuto, pró-reitor de Pesquisa da USP.
A não concessão de 2.684 entre as 3.080 bolsas aprovadas pelo CNPQ frustrará os recém formados no ensino superior que optaram por seguir carreira científica, com base em bolsas de estudo. Contudo, esse é apenas um dos lados do problema. O outro lado é a ausência de recursos para financiar pesquisas em andamento sob responsabilidade de cientistas que foram formados com apoio financeiro de agências públicas de fomento, como o CNPQ. Sem condições de trabalho, é cada vez maior o número de jovens cientistas que estão deixando o País.
Essa fuga de cérebros revela o paradoxo do sistema brasileiro de qualificação acadêmica, produção cientifica e inovação tecnológica. Após ter financiado com recursos públicos a qualificação desses jovens cientistas, o governo não os retém, seja por causa de seu negacionismo científico, seja por não lhes assegurar condições de trabalho. Assim, os órgãos de fomento à pesquisa acabam financiando a formação de cientistas que são atraídos por outros países, o que é um contrassenso. “Vi a situação apertando no Brasil, aí apareceu uma oportunidade de ir para fora e não tive como recusar. Meu primeiro sentimento foi de tristeza, pois foi feito um investimento muito grande na minha formação. Justamente quando esse investimento começaria a dar frutos, tive de ir embora”, diz o físico Tárcius Ramos, cuja formação foi custeada por bolsas de estudo e que se mudou para a Bélgica um mês após defender seu doutorado na USP.