Páginas

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Sentença dupla - JANIO DE FREITAS


Nos presídios há monstros humanos, mas outros tantos são só humanos; igualá-los é uma injustiça terrível


O presídio de Pedrinhas, no Maranhão, com as 14 decapitações de presos por outros presos, foi que conquistou status de escândalo, mas foi o Presídio Central em Porto Alegre que no dia 30 passado motivou notificação da Comissão Interamericana de Direitos Humanos ao Brasil, com prazo de 15 dias para sanar as monstruosidades ali impostas aos presos.
    Resumo mínimo: o presídio comporta 1.985 presos, amontoa 4.590; esgoto a céu aberto atravessa o que seria o pátio; o comando real há muito tempo é exercido por facções criminosas. De Norte a Sul, portanto, o mesmo sistema. Não só nos presídios. Também o Judiciário e o Ministério Público se reproduzem no Brasil todo.
    Os governos estaduais e o federal são os acusados de sempre. Por merecimento. Mas por exagero acusatório também, como é igualmente de praxe. A nenhum juiz, desembargador ou integrante de tribunal superior falta conhecimento das condições criminosas vigentes em presídios brasileiros. A nenhum promotor e nenhum procurador do Ministério Público Federal falta o mesmo conhecimento. O padrão geral em suas atividades funcionais, no entanto, é este: nenhuma demonstração prática de interesse pela existência dessas masmorras medievais, configuráveis como crimes tanto na legislação brasileira de direitos humanos, como em tratados internacionais de que o Brasil é signatário.
    E o conhecimento indiferente é apenas o começo. Aqueles monturos humanos se formam nos presídios por ação de promotores e julgadores, em princípio convictos da razão dada a seus atos pelo autos dos processos. E pronto, acabou-se. Vamos ao próximo.
    Mas daí resulta que as condenações no Brasil são mentirosas. A lei e as sentenças referem-se a anos de reclusão. O cumprimento das penas inclui, porém, outra condenação, implícita na primeira e não declarada, logo, ilegal: a pena cronológica de muitos milhares será cumprida nas condições mais degradantes, física e moralmente. A pior condenação, o maior sofrimento, não estão na sentença.
    Dizia há pouco Gilmar Mendes:..."essas cadeias em que os presos fazem necessidades uns sobre os outros", palavras de ministro do Supremo Tribunal Federal. Gilmar Mendes a quem se deve, aliás, o programa de inspeção a presídios e verificação de penas concluídas, tarefa que levou representantes do Conselho Nacional de Justiça a desvendar o presídio maranhense. Em contrapartida às palavras e medidas de Gilmar Mendes, também há pouco dizia um ex-desembargador em seu comentário radiofônico, sobre determinados presos:..."concluída a reabilitação"... --haja hipocrisia.
    Nos presídios há muitos monstros humanos, para os quais é difícil dirigir alguma piedade. Mas outros tantos são apenas humanos, humanamente criminosos. Igualá-los na perversidade da condenação dupla e degradante é uma injustiça terrível em nome da justiça. E faz ser o caso de perguntar-se se a degradação, nessas circunstâncias, atinge só os que estão dentro dos presídios.