Uma ajuda às escolas de samba
Diz um samba-enredo:
"A grande paixão que foi inspiração de um poeta é o enredo que emociona a
velha guarda lá na comissão de frente como a diretoria. Glória a quem trabalha o
ano inteiro em mutirão! São escultores, são pintores, bordadeiras... São
carpinteiros, vidraceiros, costureiras, figurinista, desenhista e artesão, gente
empenhada em construir a ilusão. E que tem sonhos como a velha baiana que foi
passista e brincou em ala. Dizem que foi o grande amor de um mestre-sala. O
sambista é um artista e o nosso 'Tom' é o diretor de harmonia. Os foliões são
embalados pelo pessoal da bateria. Sonho de rei, de pirata e jardineira, pra
tudo se acabar na quarta-feira. Mas a quaresma lá no morro é colorida com
fantasias já usadas na avenida, que são cortinas, que são bandeiras... Razão pra
vida tão real da quarta-feira".
Um desfile de escola de samba é emocionante, mas dá muito trabalho e é
demasiadamente dispendioso. Mesmo nos tempos remotos, os sambistas não podiam
fazer uma boa apresentação sem dinheiro. Hoje em dia, é preciso um
dinheirão.
Antigamente, as escolas do Rio eram financiadas por comerciantes dos bairros
onde eram sediadas, por meio de doações, registradas em um caderno chamado
"livro de ouro".
Quando as prefeituras resolveram organizar e subvencionar os desfiles, os
comerciantes se sentiram desobrigados de colaborar e as escolas passaram por
grandes dificuldades. As subvenções, além de insuficientes, só eram concedidas
bem perto dos Carnavais e, muitas vezes, depois deles.
Então, os dirigentes passaram a recorrer aos banqueiros de jogo de bicho. Os
bicheiros socorriam as escolas e, por isso, tinham a imagem de benfeitores, como
os mecenas patrocinadores da cultura. Muitos deles, direta ou indiretamente,
assumiram a administração das escolas e criaram a Liga Independente das Escolas
de Samba.
Hoje, com o dinheiro arrecadado e distribuído pela Liesa, uma escola bem
administrada, que apresenta um enredo envolvente, que não necessita de
tecnologia de ponta, se tiver um carnavalesco criativo, um contingente unido,
uma boa equipe de harmonia, um excelente mestre-sala e uma brilhante
porta-bandeira, não precisa de patrocínio para fazer um belo Carnaval.
Principalmente se tiver uma competente bateria e um contagiante
samba-enredo.
Acontece que o desfile virou "o maior espetáculo da Terra" e as diretorias
não podem abrir mão de patrocínios. O rateio proporcional distribuído pela liga
mal dá para a construção do carro abre-alas, para a confecção das fantasias
essências nem para a preparação da comissão de frente, de onde se espera,
sempre, um show à parte.
Mantendo determinados cuidados, o patrocínio não prejudica -desde que a
escola não se apresente como um veículo de propaganda.
Um bom exemplo, modéstia à parte, é o caso da minha Unidos de Vila Isabel,
que conta com ajuda financeira da Basf para desenvolver um enredo sobre
agricultura. Como pode ser constatado no nosso samba, não citamos o nome da
patrocinadora nem nos referimos a produtos químicos. Tampouco fazemos apologia
de transgênicos, área de atuação da empresa, que está legalmente no Brasil e à
qual somos muito gratos.
Fizemos a parceria porque, nos tempos atuais, uma escola, para sonhar com o
título de campeã, deve fazer se adaptar aos novos padrões, em que os efeitos
visuais têm grande importância.
Para uma escola ser realmente competitiva, o patrocínio é imprescindível,
assim como o é para a montagem de uma ópera, um grande concerto ou uma peça de
teatro.
MARTINHO DA VILA, 74, é cantor e compositor