O patrocínio ameaça o Carnaval?
SIM
Quando patrocinadores definem o enredo e a dinâmica das escolas de samba na
avenida, sim, o patrocínio ameaça o Carnaval em sua legitimidade. Felizmente,
esse tipo de situação ainda não é a regra, mas é de conhecimento público que
algumas escolas já mudaram seus enredos em função do patrocinador.
Um exemplo disso é a Estação Primeira de Mangueira, que recebeu muitas
críticas por não levar para o sambódromo, neste ano, o enredo em homenagem a
Jamelão. Por razão de patrocínio, preferiu falar sobre o Estado de Mato Grosso.
No entanto, em 2012, quando fez um desfile memorável, com um enredo legítimo,
que celebrava o bloco Cacique de Ramos, nossa escola sequer participou do
desfile das campeãs.
Uma análise superficial sobre essas duas situações poderia nos levar a crer
que, atualmente, apenas sobrevive no time das campeãs as escolas cujos enredos
são patrocinados. Acredito que ainda não vivemos essa realidade, mas,
certamente, a legitimidade dos enredos não tem sido suficiente para atender às
expectativas dos jurados.
Sim, o patrocínio, aliado aos recursos públicos, tem se tornado cada vez mais
essencial para a realização do espetáculo grandioso que estamos acostumados a
assistir.
Entretanto, não devemos esquecer que há vida nas escolas fora das
arquibancadas dos sambódromos. A maioria dessas agremiações se mantém graças a
uma comunidade que as legitima e o desfile é o resultado do trabalho que essas
pessoas fizeram ao longo do ano.
Sempre vale a pena lembrar que as escolas de samba foram criadas por
comunidades negras e pobres. Eram espaços de ressignificação do mundo, diante da
realidade de preconceito, racismo e exclusão vivida no cotidiano.
Durante muito tempo, o Carnaval feito por essas pessoas permaneceu à margem
dos espaços de poder. Mas, como tudo que é legítimo, ganhou força e só aí passou
a ser pauta da mídia, se tornando interessante para o mercado e para os
patrocinadores.
Por fazerem um espetáculo criativo, grandioso e autêntico, as escolas de
samba são excelentes vitrines por meio das quais as empresas podem "vender" suas
marcas. E isso as escolas não podem perder de vista, para que a relação de troca
entre elas e os patrocinadores seja negociada em pé de igualdade, onde todos
saiam ganhando.
O patrocínio é sempre um bom negócio para as empresas, mas só é uma boa
solução para as escolas quando ele soma. E, para que isso aconteça, as
comunidades devem ser empoderadas e se apropriar do resultado de seu trabalho.
Aí se faz necessária a adoção de políticas voltadas para essas comunidades.
Afinal, o Carnaval é a festa mais popular e simbólica do nosso país e
patrimônio imaterial da cultura brasileira. Além disso, movimenta a economia,
gera emprego, trabalho e renda.
Portanto, nada mais justo que o poder público tenha um olhar especial voltado
para as pessoas que dedicam suas vidas à realização desse espetáculo.
Sim, o patrocínio ameaça o Carnaval, mas só se o Estado não cumprir o seu
papel e se os empresários não tiverem visão suficiente para perceber que o que
faz dos desfiles de escola de samba um grande espetáculo é justamente o fato de
essas agremiações e seus artistas se sentirem livres para criar e fazer sua arte
da forma que sempre fizeram.
LECI BRANDÃO, 68, cantora e compositora, é deputada
estadual de São Paulo pelo PC do B