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terça-feira, 24 de julho de 2012

Caso Dorothy Stang pode ser reaberto no Pará

    A possível reabertura do caso que envolve o assassinato da missionária Dorothy Stang, provocada pelo depoimento em cartório do policial federal Fernando Luiz Raiol, caiu como uma bomba na Polícia Civil, no Ministério Público e no Judiciário. Os fatos novos revelados na edição de domingo passado do Diário já provocaram a primeira decisão, do delegado-geral da Polícia civil, Nilton Athayde, de abrir inquérito para apurar as declarações de Raiol, sobretudo nos trechos em que é citado o nome do delegado Marcelo Luz, acusado de entregar ao intermediário do crime, Amair Feijoli da Cunha, o “Tato”, a arma com a qual Rayfran das Neves Sales, o “Fogoió”, matou com seis tiros a missionária.
    Nesse depoimento, Raiol apenas confirmou o que Vitalmiro Moura, o “Bida”, condenado como suposto mandante, havia declarado em março passado, à revista Época. Ainda segundo Raiol, também seriam verdadeiras a acusação feita por “Bida” de que o delegado receberia propina de fazendeiros de Anapu para proteger as terras deles contra os agricultores ligados a Dorothy. As acusações, acrescidas da suspeita da existência de um consórcio de pessoas poderosas da região de Altamira interessadas na morte da missionária, na verdade, eram para ter sido apuradas há sete anos, durante a investigação do assassinato. Isso, no entanto, nunca aconteceu.
    Uma Comissão Especial do Senado que esteve em Anapu, semanas depois do crime, levantou informações sobre o consórcio, sugerindo às autoridades do Pará que as investigações fossem aprofundadas. Se isso tivesse ocorrido, outros acusados teriam sentado no banco dos réus, além daqueles que foram denunciados pelo Ministério Público. Relatório elaborado pelos senadores Ana Júlia Carepa, Eduardo Suplicy, Sibá Machado, e Demóstenes Torres, que integraram a comissão, aborda que, ainda no dia da prisão, em seu primeiro depoimento, perante o delegado Uálame Machado, da Policia Federal, “Bida”, cujo nome até então não havia sido citado entre os que ameaçavam Dorothy, prestou dois depoimentos. No primeiro, negou ter prestado qualquer auxílio pessoal ou material a Rayfran e Clodoaldo – cúmplice no assassinato e que atualmente se encontra foragido - após o crime, além de negar ter sido o mandante.
No dia 27 de março de 2005, segundo o relatório dos senadores, “mediante o compromisso das autoridades de que o conteúdo de suas declarações não fossem levadas a público”, ele foi novamente interrogado. Na presença de seus advogados, de representantes do Ministério Público, da presidente da comissão, a então senadora Ana Júlia Carepa, “Bida” citou os nomes de outras pessoas que estariam também envolvidas no assassinato. “A nova versão, mantida em sigilo, certamente propiciará às autoridades policiais, judiciais e do Ministério Público fazer levantamentos que poderão alcançar mais pessoas envolvidas no crime em questão e em outros praticados por ou a mando de pistoleiros e grileiros da região”, afirma o relatório.
Em entrevista concedida a um jornal do Acre, foi perguntado à missionária se ela estava recebendo ameaças de morte, tendo respondido que sim. “Ameaça de morte não só a mim, mas também às outras lideranças e a expulsão de posseiros das terras são frequentes, conforme foi constatado pelo desembargador Gercino José da Silva, ouvidor Agrário Nacional, na audiência pública, realizada no dia 26 de setembro de 2003, em Anapu. Hoje sou ameaçada de morte, publicamente, por fazendeiros e grileiros de terras públicas, como foi visto por todos que presenciaram a Conferência Popular realizada em Altamira, onde estava presente também o ministro do Desenvolvimento Agrário e tantas outras autoridades”, dizia a missionária.
Para os senadores, a missionária Dorothy Stang, de 73 anos, não tinha a intenção de “fazer revolução” em Anapu. Há 30 anos na Amazônia, o seu trabalho era para assentar 600 famílias em lotes de 100 hectares e implantar projetos de desenvolvimento sustentável. Foram inúmeras as ameaças de morte contra ela, da mesma forma que foram incontáveis os pedidos de proteção às autoridades por e para integrantes do Ministério Público Estadual e Federal, da magistratura do Pará e de representantes parlamentares.
    Em 15 de junho de 2004, o procurador da República Felício Pontes Júnior, encaminhou ofício ao secretário Especial de Defesa Social do Estado do Pará, Manoel Santino Nascimento Júnior, com cópia à Superintendência da Polícia Federal, pedindo proteção à vida da missionária. Quatro meses antes de Dorothy ser fuzilada, a juíza da Vara Agrária de Altamira, Danielle Bühnheim, pediu via oficio à policia do Pará que fornecesse proteção a irmã. Alguns dias antes de ser assassinada, houve o encontro com o ministro Nilmário Miranda, a quem também foram relatadas as ameaças. O relatório dos senadores ressalta que Dorothy jamais pediu ou aceitou integrar os programas de proteção de vítimas e testemunhas ameaçadas (Provita), reafirmando sempre que a proteção mais eficaz seria aquela que se estendesse a toda a comunidade.
    Entre as recomendações contidas nesse relatório está a solicitação aos Ministérios Públicos para que “continuem a acompanhar as investigações que estão sendo feitas em autos suplementares que objetivam apurar os desdobramentos do assassinato e possível existência de consórcio com vistas a patrocinar esse e outros crimes praticados no Pará”. Agora, diante das declarações do agente da PF, Fernando Luiz Raiol, a reabertura do caso para investigar o que foi arquivado às pressas torna-se urgente e necessário.
Do Diário do Pará