Maior conforto para debater ideário conservador dá o tom em textos de Coutinho, Pondé e Rosenfield
MILTON OHATA
ESPECIAL PARA A FOLHA
MILTON OHATA
ESPECIAL PARA A FOLHA
Antes de tudo, os conservadores de "Por que Virei à Direita" pensam a política dentro do estado democrático de direito.
Com a crescente rotina democrática após o fim da ditadura, fazia falta uma direita que não temesse dizer seu nome. Quase nunca foi assim. Desde a nossa independência, os conservadores e liberais que a promoveram tinham dificuldade para sustentar suas ideias.
Como lembra Fernando Novais, na Inglaterra ou na França, o liberalismo serviu para flexibilizar estados monárquicos preexistentes, enquanto entre nós ele serviu para construí-lo.
O então país novo adotou Constituição e Parlamento, mas preservou a escravidão. Na teoria, liberdade, igualdade e fraternidade, mas, dentro de casa e na rua, o contrário disso. E o Brasil teve a maior concentração de cativos no mundo moderno.
Essa onipresença traduziu-se na ausência de uma revolução burguesa que foi inerente às ideias conservadoras e liberais onde nasceram.
HERANÇA ESCRAVISTA
Se a força de trabalho se reproduzia fora do país, na África, por que se preocupar com sua reprodução dentro dele?
Ainda estamos às voltas com heranças de 400 anos de escravismo e as duas ditaduras (1937-45 e 1964-85) que vivemos eram de direita, mas o ambiente democrático deixa em situação mais confortável uma direita que debate em público suas ideias.
Essa nova situação dá o tom dos relatos de João Pereira Coutinho, Luiz Felipe Pondé e Denis Rosenfield, intelectuais que não têm dificuldade em expor o que pensam na universidade, em jornais ou na televisão.
O arsenal de conceitos invocados por eles é extenso, de Edmund Burke a Michael Oakeshott, com raízes em Aristóteles e no tomismo, resultando em uma concepção de sociedade estratificada e estática, pensada como um organismo onde cada parte tem sua função predefinida.
Coutinho e Pondé filiam-se à matriz conservadora britânica -este fazendo uma combinação plural com a tragédia grega, Nietzsche e muitas outras fontes. Rosenfield, mais ao pensamento de Hanna Arendt e Friedrich Hayek.
A função do governo é garantir a liberdade de escolha e jamais contrariar a "natureza humana" ou "das coisas", ambas imutáveis, ao contrário do que opina a esquerda, para a qual o homem não tem essência, a sociedade tem história e é transformável para melhor.
TAPETE VERMELHO
Mas os 30 anos recentes, de predomínio completo do neoliberalismo, estenderam na cena mundial um tapete vermelho -sem trocadilho- para as ideias de direita.
Com a derrocada da União Soviética, o "outro" da direita passou a ser um exército de Brancaleone: Cuba, Venezuela e Coreia do Norte (no caso de Denis Rosenfield, também as gestões petistas de Porto Alegre).
O curioso é que Pondé e Rosenfield argumentam como acuados, como se a esquerda derrotada fosse hegemônica.
Com o risco de simplificar, pode-se dizer que os três autores têm um pensamento conservador de princípios e análise, mas de pouco contato com a política real ou partidária. Mesmo porque, nos últimos anos, a política real conservadora foi realizada por sociais-democratas.
Talvez por isso não haja menção a conservadores brasileiros que tiveram suas ideias postas em prática, como Oliveira Vianna e Golbery do Couto e Silva. Em Portugal, Gilberto Freire aproximou-se de Salazar e desenvolveu em vários livros suas teses da mestiçagem luso-tropicalista.
Mas todos eles representam um retrocesso diante daquele que esteve à frente da maior revolução política da história brasileira.
Falo de Joaquim Nabuco e do abolicionismo, que julgava "seu título de cidadão diminuído enquanto houver brasileiros escravos" ("O Abolicionismo", 1883).
Desde então, esse drama de consciência nunca mais atormentou a direita.
MILTON OHATA é doutor em história pela FFLCH-USP e editor da Cosac Naify.
POR QUE VIREI À DIREITA
AUTORES João Pereira Coutinho, Luiz Felipe Pondé e Denis Rosenfield
EDITORA Três Estrelas
QUANTO R$ 25 (112 págs.)
AUTORES João Pereira Coutinho, Luiz Felipe Pondé e Denis Rosenfield
EDITORA Três Estrelas
QUANTO R$ 25 (112 págs.)