Seu Cidones tem um bar na rua de baixo da minha casa. Há uns meses, quando o comércio ainda estava aberto, desci lá e tivemos uma conversa. Ele, angustiado, contava que se sentia entre a cruz e a espada.
De um lado, as perdas de conhecidos pelo vírus e o medo de ser contaminado. De outro, as contas a pagar, a cobrança dos fornecedores e o medo da falência.
O dilema do seu Cidones é o mesmo de milhões de brasileiros que, com muita labuta, ergueram um pequeno negócio e agora enfrentam as agruras da pandemia. Ele ouvia Bolsonaro desdenhar do vírus e dizer que, se não abrisse seu comércio, morreria de fome. E Doria dizia para que ficasse em casa. A verdade é que nenhum dos dois resolvia seu problema.
Não há dúvidas de que as medidas de isolamento sanitário —que incluem o fechamento do comércio e interrupção de atividades econômicas— são essenciais para conter a propagação da Covid. Aliás, só estamos nessa situação porque isso não foi feito no momento certo e com a coragem necessária, nem por Bolsonaro no país, nem por Doria em São Paulo.
Mas seu Cidones traz para o debate outra importante verdade: não existe lockdown possível sem apoio econômico aos mais vulneráveis, ainda mais num país tão desigual. O pedido para que as pessoas fiquem em casa não é suficiente quando isso significa falência, desemprego ou fome. Ou alguém acha que quem se aglomera todos os dias nas estações de trem ou em ônibus lotados ignora a letalidade do vírus?
Para que o isolamento se torne realidade e possamos reverter a curva da pandemia não basta conscientização ou medidas coercitivas. O auxílio emergencial, agora reduzido a um arremedo, é imprescindível para desempregados e trabalhadores informais. No caso dos pequenos empreendedores, era essencial que o governo federal e governos de estados ricos, como São Paulo, garantissem capital de giro a juro zero e com prazo de carência, adiamento de cobrança tributária e mesmo indenizações, como feito em outros países.
Medidas como essas permitiriam manter os negócios paralisados sem acumular dívidas impagáveis com fornecedores, aluguéis, contas e garantindo o pão na mesa. Levantamento da FGV na primeira onda mostrou que mais da metade dos que solicitaram alguma linha de crédito oferecida pelo governo não conseguiram. Enfim, foram jogados à própria sorte.
A política de Bolsonaro é a grande responsável por quase 320 mil mortos. Mas só pedir para as pessoas ficarem em casa sem alternativa é lavar as mãos. Mesmo com um ano de atraso, é urgente uma política de apoio econômico para o isolamento ser efetivo. A escolha de milhões de brasileiros como Cidones não pode ser entre o vírus e a fome.
Guilherme Boulos
Professor, militante do MTST e do PSOL. Foi candidato à Presidência da República e à Prefeitura de São Paulo.