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quarta-feira, 31 de março de 2021

Apontamentos da história do Brasil

 * Coincidentemente a conversa entre o presidente Ernesto Geisel (1907-1996) e o ministro do Exército, Sylvio Frota, teve a mesma duração que a entre Bolsonaro e o ministro demissionário Fernando Azevedo: 5 minutos.


* O diálogo entre Geisel e Frota foi bisado por Bolsonaro e Azevedo:

- Nós não estamos mais nos entendendo. Por isso, preciso que você peça demissão.

- Eu não peço demissão, teria dito o ministro da Defesa

- Bem, então vou demiti-lo.


* Escreveu Elio Gaspari em, 'A Ditadura Envergonhada' 

- "Desde 1945, sempre que o presidente e o ministro do Exército  tomam caminho separados, o presidente viu seu cargo ameaçado ou até mesmo perdido.


* O general Golbery do Couto e Silva, a hiena caolha, o bruxo, chefe do Gabinete Civil de Geisel (1974-1979) combatia a interferência militar na política e desdenhava dos militares que nela se envolviam

Max, um florista sem auxílio

Max Douglas França

Há trinta anos um homem caminha por entre mesas e pessoas na libidinosa noite da Choperia Marcelo carregando um artefato em forma de buquê comercializando a beleza e sedução das rosas. Ele é o florista Max Douglas França, 57 anos, nascido em São Luís. 

Max Florista ficou de fora do grupo de beneficiários do auxílio emergencial que o Governo do Estado instituiu para os colegas de profissão, por razões institucionais: recebe o auxílio doença, benefício assistencial garantido pela Lei Orgânica da Assistência Social. O valor mensal do auxílio é de um Salário Mínimo.

“Quando veio a primeira onda do coronavírus fiquei sem ter como trabalhar. Então fiquei me endividando entre empréstimos na Crefisa, Itaú e Bradesco. Agora estou atolado em quatro empréstimos”, relata.

Morador em casa próxima na Vila Magril, região da Santa Bárbara em São Luís, há 30 anos Max Florista se desloca para a casa de diversão localizada no retorno da Forquilha para tentar a sorte da venda de flores. A jornada, antes da pandemia, era entre quarta e domingo; agora entre sexta e domingo, das 19 às 3 ou 4 da manhã. Vai depender da sua resistência física e da movimentação e estado etílico do seu público alvo.

Após dois AVCs (Acidentes Vasculares Cerebrais), a jornada de Max passou a ser um fardo devido à dificuldade de locomoção. Puxando de uma perna, passou a se esgueirar da freguesia mais excitada em busca de clientes românticos natos ou dos conquistadores afoitos.

Antes eram os homens que compravam para fazer a oferta-convite às damas ou parceiras da noite. A diversidade sexual dos tempos contemporâneos embaralhou a clientela.  “Já teve vezes que abordei uma mesa formada por quatro homens oferecendo as flores. E eles perguntaram: está vendo alguma mulher aqui. Respondi que poderiam oferecer para suas irmãs ou mães. Então eles entendiam errado: “estás me chamando de filho da puta?. Dizia: não, sua mãe em casa é sua mãe”, relaxa Max.  

Quando começou no ramo, as flores eram naturais. As artificiais eram confeccionadas por ele mesmo. Pouco a pouco, o perfume das rosas passou a ser borrifado sobre o material sintético pelo próprio florista. Não grava o nome de perfumes. Sobre a fragância, vai depender da situação financeira do comerciante. “Tem aqueles baratim”, menciona. Por fim, o material importado passou a ser mais lucrativo e virou exclusividade. 

Mensalmente dá para tirar cerca de R$ 600,00 por mês. Mas há ocasiões em que o lucro é estratosférico e fatura quase R$ 100 na noite. Essas são raras. A unidade é adquirida no mercado local ao preço que varia entre R$ 5 e R$10.

Na noite da Marcelo Max raramente senta para descansar da jornada de trabalho. Não bebe, não fuma, seus vícios não são ostensivos. 

Max não se define como um florista. “Sou vendedor ambulante”, resume. Pai de três filhos. No sábado passado, Max Florista atendeu a uma chamada de telefone com entusiasmo. Sem local de venda, paralisado pelas restrições em favor da contenção à expansão da Covid-19, Max não reclamou por ficar excluído do auxílio. “Queria era sair daqui”, diz Max. 

O aqui ao qual ele se refere é um leito do Hospital da Mulher para onde foi levado há uma semana para tratar de dores nos membros inferiores e, principalmente, de um dedo gangrenado. Antes de dar entrada na casa de saúde da rede municipal, Max passou pela Centro de Saúde do São Bernardo, e UPAs da Cidade Operária, do Bequimão e do Anjo da Guarda. 

No HM fez dois testes para verificar se tinha contraído o novo coronavírus nesse périplo. Deram negativo. “Não seu se eles vão resolver amputar meu dedo. Quero que resolvam logo”, diz, conformado.



Guilherme Boulos - O dilema de seu Cidones

 Seu Cidones tem um bar na rua de baixo da minha casa. Há uns meses, quando o comércio ainda estava aberto, desci lá e tivemos uma conversa. Ele, angustiado, contava que se sentia entre a cruz e a espada.

De um lado, as perdas de conhecidos pelo vírus e o medo de ser contaminado. De outro, as contas a pagar, a cobrança dos fornecedores e o medo da falência.

O dilema do seu Cidones é o mesmo de milhões de brasileiros que, com muita labuta, ergueram um pequeno negócio e agora enfrentam as agruras da pandemia. Ele ouvia Bolsonaro desdenhar do vírus e dizer que, se não abrisse seu comércio, morreria de fome. E Doria dizia para que ficasse em casa. A verdade é que nenhum dos dois resolvia seu problema.

Não há dúvidas de que as medidas de isolamento sanitário —que incluem o fechamento do comércio e interrupção de atividades econômicas— são essenciais para conter a propagação da Covid. Aliás, só estamos nessa situação porque isso não foi feito no momento certo e com a coragem necessária, nem por Bolsonaro no país, nem por Doria em São Paulo.

Mas seu Cidones traz para o debate outra importante verdade: não existe lockdown possível sem apoio econômico aos mais vulneráveis, ainda mais num país tão desigual. O pedido para que as pessoas fiquem em casa não é suficiente quando isso significa falência, desemprego ou fome. Ou alguém acha que quem se aglomera todos os dias nas estações de trem ou em ônibus lotados ignora a letalidade do vírus?

Para que o isolamento se torne realidade e possamos reverter a curva da pandemia não basta conscientização ou medidas coercitivas. O auxílio emergencial, agora reduzido a um arremedo, é imprescindível para desempregados e trabalhadores informais. No caso dos pequenos empreendedores, era essencial que o governo federal e governos de estados ricos, como São Paulo, garantissem capital de giro a juro zero e com prazo de carência, adiamento de cobrança tributária e mesmo indenizações, como feito em outros países.

Medidas como essas permitiriam manter os negócios paralisados sem acumular dívidas impagáveis com fornecedores, aluguéis, contas e garantindo o pão na mesa. Levantamento da FGV na primeira onda mostrou que mais da metade dos que solicitaram alguma linha de crédito oferecida pelo governo não conseguiram. Enfim, foram jogados à própria sorte.

A política de Bolsonaro é a grande responsável por quase 320 mil mortos. Mas só pedir para as pessoas ficarem em casa sem alternativa é lavar as mãos. Mesmo com um ano de atraso, é urgente uma política de apoio econômico para o isolamento ser efetivo. A escolha de milhões de brasileiros como Cidones não pode ser entre o vírus e a fome.

Guilherme Boulos

Professor, militante do MTST e do PSOL. Foi candidato à Presidência da República e à Prefeitura de São Paulo.

Cristina Serra - Xuxa e os Direito Humanos

A apresentadora Xuxa Meneghel - @xuxameneghel no Instagram

 Em recente entrevista, Xuxa se manifestou contra o uso de animais em testes de cosméticos e remédios. E ofereceu, digamos, o que lhe pareceu uma boa alternativa. "Eu tenho um pensamento (...) que pode parecer desumano porque, na minha opinião, existem muitas pessoas (...) que estão pagando seus erros num ad aeternum para sempre em prisão, que poderiam ajudar nesses casos aí, de pessoas para experimentos, sabe? Pelo menos eles serviriam para alguma coisa antes de morrer, entendeu?".

Entendi, Xuxa. Entendi que você acha natural que pessoas possam ser usadas como cobaias sem que seja da vontade delas apenas porque você acha que quem está atrás das grades, sob custódia do Estado, não deve ser tratado como gente. Entendi que você não tem discernimento para distinguir justiça de vingança. Entendi que no seu pensamento e linguagem utilitaristas, pessoas se equiparam a ratos de laboratório. A palavra "experimentos" me causou calafrios. Os livros de história mostram onde isso vai dar.

Xuxa de novo: "Mas aí vai vir o pessoal que é dos direitos humanos e vai dizer: 'não, eles [os presos] não podem ser usados'". Pois é Xuxa, sou dessa turma. Não somos seita nem partido. Somos pessoas que acreditam em pactos civilizatórios. Gente é gente. Fora ou atrás das grades. Não há o que relativizar. Ou se entende isso ou é barbárie.

Xuxa foi rápida em seu pedido de desculpas: "Quem sou eu pra dizer que essas pessoas estão ali e que devem ficar ali ou morrer ali? Quem sou eu pra fazer isso?". Aí é que está. Personagem onipresente na TV, fenômeno de popularidade, Midas de um império empresarial, Xuxa é referência para milhões de pessoas.

Fixa padrões, como seu programa da década de 1980 cheio de clones loirinhos num país de todas as cores. O que Xuxa disse não foi uma frase solta e descuidada. É expressão didática do seu pensamento, explica muito do caldo de cultura que formou milhões de "baixinhos" e aprofunda o abismo em que estamos.

domingo, 28 de março de 2021

Guajajara encorajam vacinação e combatem fake news

 

Marinista Guajajara, técnica em enfermagem, vacina Santana Bernardinho Guajajara, aldeia Capum Duro (Grajaú)

No Maranhão vivem, segundo o último Censo, 35 mil indígenas de oito etnias: Guajajara, Awá-Guajá, Ka’Apor, Krenyê, Canela, Krikati, Gavião e Timbira. Desses, quase 19 mil estão aptos a receber a vacina, de acordo com o Subsistema de Atenção à Saúde  Indígena (SasiSUS). A missão é compartilhada entre as equipes do Distrito Sanitário Especial Indígena e da Força Estadual de Saúde do Maranhão.

"Passamos por rodovias com o asfalto ruim, estradas de terra, barro e até dentro de rios. Numa viagem em janeiro, tivemos que atravessar o rio de canoa”, relata o enfermeiro Henrique Queiroz, que atuava na na região de Barra do Corda, a 445 km de São Luís . “A dificuldade é muito grande, mas nós estamos tentando vencer tudo isso para levar a vacina.”

No fim do mês passado, acompanhei uma dessas expedições. Durante quatro dias, rodei mais dois mil quilômetros e visitei cinco aldeias.

Vencido o caminho até à aldeia, é preciso superar um outro tipo de resistência: combater as fake news e a desinformação. Há forte resistência em algumas comunidades, segundo líderes tribais e indigenistas, instigada por missionários evangélicos. Na aldeia Tamburi, por exemplo, houve um caso em que um indígena se escondeu na selva. 

Ciente dos efeitos devastadores da doença, alguns indígenas guajarara, uma das mais populosas tribos do Brasil, se mobilizam para incentivar a vacinação entre seus pares.

Um dos responsáveis por fazer o primeiro contato é José Ribamar Guajajara. Sua função é falar com os ‘parentes’ sobre os estragos que a Covid-19 causa nos doentes. “Converso em tupi-guarani, digo que precisamos ter amor pelo próximo, não ter medo da vacina”, explica ele, que é Auxiliar Indígena de Mobilização e Políticas Sociais do distrito.

Para explicar os benefícios do imunizante, o cacique Marcelino Clemente, da aldeia São Pedro dos Cacetes, distante 80 km do núcleo urbano de Grajaú (601 km de São Luís) a esposa, a enfermeira Marinista Guajajara, percorreram outras três do distrito.

“Ninguém das nossas aldeias recusou. Ninguém teve efeito colateral. Nós fomos de casa em casa, explicando que a vacina era pra combater a doença, explicamos para os parentes”, conta o cacique, que comemora: “Só três recusaram no começo, mas depois que todo mundo tomou eles acabaram tomando também.”

“Na região de Grajaú, onde atuo, são mais de 7 mil indígenas e muitos estão com ideias erradas acerca da vacinação. Estamos lutando para descontruir essas informações falsas e levar as informações corretas, que é de que a vacina ajuda e é a principal  principal arma no combate contra o Covid-19”, conta o enfermeiro Rômulo Béliche. Além de transportar e aplicar a vacina, médicos e enfermeiros estão realizando palestras e rodas de conversa para conscientizar os povos originários.

Cacique da aldeia Cajazeiras, Maria de Nazaré Guajajara recebeu a primeira dose da e conversou com outros índios sobre a importância da vacinação. “Eu disse pros parentes tomarem a vacina, para não ter medo não, que o homem branco vem na nossa aldeia para livrar a gente de doença, nós não podemos ir pra cidade, e se eles vêm procurar a gente não é pra fazer mal, é para fazer o bem. A vacina é bom, não dói não. Nós não nascemos para virar pedra, nascemos para ter saúde”.

No estado já foram aplica16.703 doses pela Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), sendo que 10.659 pessoas receberam a primeira dose e 6.044 a segunda. Os números são do último relatório divulgado pelo Ministério da Saúde, publicado no dia 10 de março de 2021.

Da Carta Capital