* Armínio Fraga, Miguel Lago e Rudi Rocha
A pandemia de covid-19 revelou a urgente necessidade de uma revisão do papel do Estado e das políticas públicas, sobretudo na área da saúde. Dispor de cobertura universal e de sistemas de saúde robustos provou-se, mais do que um imperativo ético, um desafio prioritário e incontornável à luz dos riscos sanitários que o mundo enfrenta – os de agora e os que ainda estão por vir.
O Brasil construiu ao longo das últimas três décadas o Sistema Único de Saúde (SUS). O SUS produziu resultados extremamente importantes, mas muitos desafios persistem. No longo prazo parecenos claro que o orçamento para a saúde pública terá de crescer significativamente.
No entanto, enquanto não se repensam as prioridades orçamentárias do País, é necessário concentrar esforços na busca de ganhos de equidade e qualidade que possam ser alcançados sem grandes custos adicionais. A atuação dos 5.570 municípios poderá ser decisiva para a melhora do sistema.
Listamos abaixo cinco linhas de ação fundamentais a implementar localmente, que resultam da Agenda Saúde desenvolvida pelo Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (Ieps) e pelos Institutos Arapyaú e Impulso.
A primeira tarefa dos novos prefeitos deveria estar focada em reduzir fatores de risco para a saúde da população por meio de uma política integral de promoção de saúde. Os municípios devem assumir a responsabilidade de zelar pela qualidade do ar, da água, da habitação e da alimentação de seus cidadãos. Podem, por exemplo, incentivar a criação de espaços saudáveis, fomentar a prática de exercícios físicos e limitar o consumo de alimentos ultraprocessados e de açúcares nas escolas. Uma população mais saudável significa mais bem-estar e menor sobrecarga do sistema de saúde.
A segunda é melhorar a capacidade de monitoramento e vigilância sanitária e epidemiológica dos municípios. Tal providência deveria ocorrer de forma integrada com os serviços de atenção primária e com metas claras de redução da mortalidade e da morbidade por causas infecciosas. Prevenção, vigilância e assistência coordenadas deveriam ser capazes de evitar e resolver uma parte substancial dos problemas de saúde da população.
A terceira tarefa é expandir a cobertura da atenção básica e torná-la mais resolutiva. Nesse quesito, cabe dar às equipes do Estratégia Saúde da Família (ESF) mais autonomia e primazia na regulação do acesso aos serviços de média complexidade, de diagnóstico e de especialistas. Em especial, é necessário integrar melhor o atendimento na atenção primária a tais serviços. Expandir o acesso ao ESF a todos os cidadãos é possível e teria um retorno inestimável para o sistema. Deveria ser meta explícita de governo.
Mas não basta ampliar, é necessário melhorar a qualidade. Por exemplo, experimentar novas configurações das equipes. O atendimento à saúde ainda tende a ser muito centrado no médico, dando pouca autonomia aos outros profissionais de saúde. Aumentar a participação da enfermagem na produção ambulatorial seria um primeiro passo importante nessa direção.
Outro espaço promissor seria remodelar os sistemas de pagamento e a relação com os prestadores privados de serviços. Sistemas que remuneram com base nos resultados de saúde – e não por procedimento – conseguem diminuir custos e aumentar a qualidade e a eficiência. Evidências científicas indicam que a porta de entrada do sistema, quando bem administrada e com recursos suficientes, pode resolver 80% dos problemas de saúde da população. Dessa forma se aliviariam as demandas por serviços hospitalares, principalmente o atendimento de urgência e emergência, que em muitas cidades do País já estavam à beira do colapso antes mesmo da pandemia.
A quarta tarefa: pautar as decisões da prefeitura de acordo com dados e indicadores de saúde da população e fazer um monitoramento sistemático dessas métricas. Assim seria possível alavancar o que estiver certo e corrigir rumos quando necessário.