Ao demonizar organizações, tiro pode sair pela culatra
O desmonte tem sido a norma. A estratégia do governo federal é desmoralizar órgãos públicos, profissionais competentes e organizações não governamentais. Essas, agora, estão sendo responsabilizadas por tudo de errado no país.
Por que surgiram as ONGs? Não há governo no mundo que dê conta de problemas ligados à saúde, à educação, ao meio ambiente ou a qualquer tema que tenha motivado alguém a resolver, levando à fundação de uma ONG. Há 30 anos a Ashoka identifica empreendedores sociais, e esta Folha, com a Fundação Schwab, já selecionaram 22 profissionais no Brasil e mais de 300 em 60 países.
Mas os governos são os responsáveis pela resolução dos grandes problemas, devendo oferecer alternativas nos mais diversos campos. Em geral, quanto mais desenvolvido o país, mais qualidade têm os serviços disponibilizados à população.
Já em nações pobres, menos é ofertado ao público. É aí que as ONGs se destacam. Na área ambiental fica ainda mais notório, pois os países do Sul, em geral economicamente menos favorecidos, concentram a maior riqueza natural do planeta. E é nesse nicho que está o Brasil.
O Ministério de Meio Ambiente afirma que ter mais de 20% do número total de espécies da Terra leva o Brasil a estar entre os 17 países megadiversos —de maior biodiversidade. Só essa riqueza já deveria despertar um senso de orgulho e responsabilidade quanto à sua proteção. Mas, historicamente, o ministério está entre os que menos verbas recebem da União.
As ONGs que trabalham nesse campo tornaram-se uma obsessão do presidente Jair Bolsonaro (PSL), que demonstra desinformação. Alega haver falta de fiscalização, mas o setor conta com marco regulatório para formalizar parcerias entre entidades sem fins lucrativos e poder público, com cuidados de natureza jurídica, registros de assembleias e conselhos atuantes. A captação de recursos ocorre por editais abertos, bastante concorridos, com avaliadores externos e regras transparentes. Com isso, acabam sendo selecionados apenas os projetos de instituições mais qualificadas.
Cada doador estipula suas normas: controles financeiros, visitas de supervisão, validação com os próprios beneficiários e auditorias. Há cobrança na transparência dos processos e na qualidade da entrega. São exigidas certidões, relatórios de atividades, balanços financeiros, pareceres de auditorias independentes, documentos disponibilizados nos sites de muitas das ONGs.
Bolsonaro também afirma estar tirando verbas das ONGs. Porém, apenas 2,7% das organizações recebem recursos federais. Já no Fundo Amazônia, a maioria dos recursos é destinada a órgãos públicos (60% vão para ICMBio, Ibama, universidades e governos estaduais e prefeituras). Assim, quem mais perderá com os cortes é o próprio governo.
Os 40% destinados às organizações são para a execução de projetos previamente aprovados. Qualquer rompimento unilateral implica multas ou mais despesas ao governo. E esses aportes beneficiam um pequeno número de ONGs, que em geral contam com fontes diversificadas de recursos. Ou seja, o tiro pode sair pela culatra: as doações podem acabar indo diretamente às ONGs, fortalecendo o terceiro setor, em vez de desconstruí-lo.
Nem isso merece ser comemorado. É lastimável ver ONGs classificadas como inimigas. Recursos daqui ou de fora, intermediados por instâncias públicas, deveriam ser bem-vindos —ou pela anuência e acompanhamento dos governos, ou pela soma de esforços com a sociedade para o enfrentamento de desafios que o Estado, sozinho, não consegue resolver.
O fato é que o que se perde na natureza é irreversível —e para sempre! E as ONGs deveriam ser parceiras. Afinal, elas foram criadas por missões que motivam as suas equipes a resolver questões. Muitas têm décadas de experiências exitosas, heroicas e valorizadas nacional e internacionalmente.
Agora, tornaram-se vilãs. Mas a história mostrará quem de fato é vilão. Que mudanças de rumo ocorram rapidamente, e que o futuro seja promissor para um Brasil plenamente sustentável.