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quarta-feira, 29 de maio de 2019

Izaurina Nunes - A reconstituição de um império na cidade de Alcântara

(Fotos: Claudio Farias)
A festa do Divino Espírito Santo de Alcântara é uma das mais expressivas do calendário cultural e religioso do Maranhão. Ambientada pelas ruínas e sobrados do século XIX, a festa reconstitui uma corte, onde são revividos os costumes e o modo de vida de um império, e mobiliza toda a cidade o ano inteiro, podendo ser considerada a maior festa popular do Maranhão, uma vez que seu ciclo dura 365 dias.

A festa, que relembra a descida do Espírito Santo sobre os apóstolos, teve origem em Portugal, com a construção da igreja do Espírito Santo em Alenquer, no século XIII, por ordem da rainha Dona Isabel, tendo chegado ao Brasil, com os colonizadores, três séculos mais tarde. 

No domingo de Pentecostes, logo após a procissão que fecha o ciclo da festa daquele ano, é iniciado o ciclo da festa do ano seguinte, com a leitura do Pelouro, documento onde consta a relação de pessoas que farão a festa do próximo ano. Numa concorrida cerimônia na igreja da cidade, todos esperam o momento de conhecer os nomes dos futuros festeiros num clima de muita expectativa.

Imperador e Imperatriz, mordomo-régio e mordoma-régia se alternam a cada ano no poder imaginário, com todas as regalias que a posição lhes confere. A partir da leitura do pelouro, a primeira cerimônia da festa, a cidade passa a viver intensamente a festa do Divino Espírito Santo. Nas esquinas, os comentários se multiplicam sobre o imperador/imperatriz, mordomo-régio/mordoma-régia e mordomos-baixos/mordomas-baixas que a cada ano são escolhidos para dar continuidade aos festejos do Divino Espírito Santo. 

A seleção de doze festeiros, feita por uma comissão organizadora, é criteriosa, pois a festa, além de exigir grandes investimentos em recursos financeiros, dá prestígio aos festeiros diante da sociedade local, o que pode se refletir, inclusive, em tratamento cerimonioso por parte dos moradores de Alcântara, numa demonstração de respeito pelo status adquirido com a escolha. A festa do Divino Espírito Santo é rica em rituais. 

Na segunda-feira, após o domingo de Pentecostes, acontece a entrega do posto, quando os festeiros do ano passam os postos de imperador e mordomos para os novos festeiros, com salva de foguetes e acompanhamento das caixeiras, tocadoras de pequenos tambores denominados de caixas. No mês de agosto, o imperador recebe a Santa Croa em cerimônia realizada na igreja, com a presença da sociedade local. 

Uma coroa trabalhada em prata, de grande valor religioso e histórico é entregue ao imperador-festeiro que, a partir desse ritual, já pode tirar jóias pela costa e interior de Alcântara, acompanhado de seu cortejo que inclui as caixeiras, as bandeirinhas e o alferes da bandeira ou bandeireiro. A primeira cerimônia do ano da festa é realizada no Sábado de Aleluia durante a Missa do Fogo. Nesse dia, ao levar o santo (em forma de pomba) e colocá-lo no altar antes da missa, os festeiros confirmam o seu compromisso com o Espírito Santo. 

Nesse dia se inicia o período durante o qual os festeiros esmolam (pedir donativos para a festa) na sede da cidade. Cada festeiro, obedecendo a hierarquia que concede prioridade ao imperador (ou imperatriz), sai pelas ruas de Alcântara com seu cortejo composto de mestre-sala, que leva a salva (bandeja redonda coberta por um pano branco rendado) e o vicentino (menino que carrega a sacola onde são colocados os donativos). 

Os rituais se sucedem até o dia do encerramento da festa. Na véspera da Quinta-feira de Ascensão, a cidade se prepara para o início oficial dos festejos. Nesse dia, acontece o buscamento do mastro no porto do Jacaré. Um tronco de árvore, com cerca de 10 metros de comprimento, é transportado com muita festa ao Centro da cidade, onde é fixado em cerimônia popular conhecida como o levantamento do mastro. 

A Quinta-feira de Ascensão se inicia com uma alvorada de madrugada e uma missa pela manhã, marcada pela coroação do imperador do trono (uma criança que representa o imperador-festeiro), que sai da igreja em cortejo pela cidade. 

À tarde acontece a prisão dos mordomos que são levados até o mastro do imperador onde, mediante o pagamento de prendas, são libertos. Nas duas semanas que se seguem, Alcântara é só festa. Nesse período são rezadas missas e ladainhas todas as noites na igreja da cidade. 

No Sábado do Meio (entre a Quinta-feira da Ascensão e Domingo de Pentecostes) se iniciam as visitas, quando o mordomo-régio visita o imperador e no Domingo do Meio é a vez do imperador visitar os mordomos-baixos e o mordomo-régio. 

No decorrer da semana seguinte, os mordomos-baixos visitam o imperador. Nas visitas, imperador e mordomos servem mesas de doces e licores regionais, uma das características da Festa do Divino de Alcântara. No Sábado, véspera da grande festa, é feita a distribuição de esmolas aos idosos pelo imperador e mordomos e no Domingo de Pentecostes, o imperador recebe seus convidados, com muita pompa, para um farto almoço e mesa de doces. 

O banquete é o ponto alto da festa que atrai centenas de pessoas para a cidade de Alcântara. Após a recepção, é realizado o último ritual da festa. Todos vão à igreja de onde sai a procissão do Divino Espírito Santo. A festa se encerra na igreja, após a procissão, para onde todos se deslocam para a leitura do pelouro, iniciando o ciclo da festa do ano seguinte. 

Fontes: LIMA, Carlos de. A Festa do Divino Espírito santo em Alcântara (Maranhão). 2ª edição. Brasília: Fundação Nacional Pró-Memória/Grupo de Trabalho de Alcântara, 1988. 40p. il. Entrevista concedida por Hélio Teixeira Leite, imperador da Festa do Divino Espírito Santo de Alcântara de 1999.