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sexta-feira, 19 de abril de 2019

Bolsa Família do Brasil - FLÁVIA OLIVEIRA

É bem-vinda a rendição do capitão reformado Jair Bolsonaro e de seu modelo econômico liberal ao Bolsa Família, programa de transferência de renda tornado patrimônio do Estado brasileiro, não departidos ou grupo político.No inventário dos primeiros cem dias de governo, o presidente da República anunciou o pagamento de uma décima terceira parcela do benefício, que vai despejar R$ 2,58 bilhões na conta de 14,1 milhões de famílias em dezembro próximo. Reconheceu, assim, a importância social e econômica de uma política pública gestada em duas décadas e meia pela sociedade civil e por autoridades federais, com maior ou menor intensidade.
Foi em 1993 que o sociólogo Herbert de Souza, o saudoso Betinho, instou o país a debelara pobreza extrema via Açã oda Cidadania Contra a Fome, a Miséria e pela Vida. A mobilização deu no lançamento, no primeiro governo do petista Luiz Inácio Lula da Silva, em 2003, do Fome Zero. Era o embrião do Bolsa Família, versão mais bem acabada e multiplicada de um conjunto de programas sociais oriundos da gestão tucana de Fernando Henrique Cardoso, à frente o Bolsa Escola.

Nos anos de crescimento econômico, recuperação do emprego formal e ganho real do salário mínimo, apolítica de transferência de renda focalizada nos mais pobres fez as Nações Unidas retirarem o Brasil do Mapa da Fome em 2014. É título para quem consegue reduzira menos de 5% a proporção da população cujo consumo diário de alimentos é insuficiente para suprir as recomendações calóricas.

A partir daí, a recessão aguda que afundou a economia no biênio 2015-16 empurrou o país para o caminho de volta à vulnerabilidade. Em fins do ano passado, o IBGE revelou que o contingente de brasileiros com renda inferiora US $1,90( cerca de R$140 à época) passara a 7,4% dos habitantes em 2017. Emu mano, o total de miseráveis saltou de 13,5 milhões para 15,2 milhões de pessoas. É como se a população inteira de Curitiba tivesse cruzado a linha da pobreza aguda em 12 meses.

Numa economia que ainda patina, com atividade fraca, desemprego altíssimo, informalidade galopante e renda instável, o incremento no Bolsa Família é mais que necessário. O programa é o colchão que amortece a fragilidade, sobretudo, de mulheres, negros, crianças e nordestinos. Nas contas do economista Marcelo Neri, da FGV Social, nenhuma outra política nacional é tão eficiente em alcançar os pobres. Numa escala de focalização que vai de -1 a +1, na qual um extremo representa os miseráveis e outro, os mais ricos, o Bolsa Família equivale a -0,63 — próximo, portanto, dos mais pobres. Para efeito de comparação, a Previdência é +0,52, a direção dos ricos.

O décimo terceiro do Bolsa Família equivale a uma correção de 8,33%. Significa que, fosse adicionado ao benefício mensal ao longo do ano, em vez de ser pago de uma só vez, em dezembro, aumentaria em R$ 15,52 o repasse médio de R$ 186,23 aos 14,1 milhões de famílias atendidas pelo Ministério da Cidadania. Descontada a inflação, representaria ganho real de 3,5%. Na pesquisa Salariômetro, em que a Fipe acompanha acordos salariais país afora, ficou em 0,4% o ganho mediano dos trabalhadores acima do INPC, a inflação dos pobres, referência nas negociações sindicais.

Quando pingar na conta dos brasileiros, a parcela adicional do Bolsa Família provocará alívio imediato: renda em dobro concentrada num mês. Os efeitos na economia, principalmente nas pequenas e médias cidades das regiões mais pobres, também serão evidentes. Na Bahia, por exemplo, 1,8 milhão de famílias recebem o benefício; é mais gente que em São Paulo (1,5 milhão), estado que tem população total três vezes maior. No Rio, o benefício alcança 883 mil lares, com repasse de R$ 160 milhões neste abril. Neri estima que cada real desembolsado impulsiona o PIB em R$ 1,78: “É dinheiro que faz a roda da economia girar”.

Do ponto de vista fiscal, o governo Bolsonaro foi perspicaz em preferir o décimo terceiro ao reajuste. Corrigir o repasse mensal implicaria elevar também a linha de pobreza que habilita os brasileiros ao programa. Hoje, estão aptas famílias com renda domiciliar per capita inferior a R$ 89. A correção do benefício elevaria a linha de extrema pobreza para algo próximo a R$ 96. Assim, mais gente poderia entrar no programa. Sem a correção, o governo controla — no precário, logicamente — a quantidade de beneficiários e, com isso, o valor do desembolso adicional. Música para os ouvidos de uma equipe econômica assentada no lema da mão livre do mercado.