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terça-feira, 23 de outubro de 2018

Joel Pinheiro da Fonseca- Qual o risco de Bolsonaro presidente

Num momento de sentimentos radicalizados, em que um candidato tem a faixa presidencial praticamente na mão, a conduta esperada de alguém com um mínimo de apreço pela República seria adotar o discurso da conciliação. O governo é para todos, o opositor não é inimigo, as instituições vêm antes do projeto de poder. A família Bolsonaro fez o exato oposto: reforçou o radicalismodesmoralizou as instituições, atacou a imprensa e insuflou o ódio político. Para uma multidão em êxtase, gritou pelo banimento dos "vermelhos" e ameaçou prender Fernando Haddad.

Isso casa bem com as declarações de Eduardo Bolsonaro feitas antes do primeiro turno, mas que vieram à tona só agora: se por algum motivo a Justiça cassar a chapa (ato que ele não considera improvável), tomariam o poder pela força. Disse inclusive que mandaria prender ministros do Supremo. O que pode a pena de um ministro contra a força da população e do Exército? Nada.

Ele está certo. É a força que determina a ordem social, não importa o que digam as leis, os costumes ou os cargos. O Estado democrático de Direito não altera essa realidade elementar: ele busca uma engenharia que consiga contrabalancear diferentes forças e regrar a alternância de poder, de forma a permitir algum nível de liberdade individual e participação dos cidadãos na política. 

Nada disso, contudo, é natural ou automático. Se um número suficientemente grande de pessoas --e mais, pessoas armadas-- decidir não seguir o que diz a lei, ela deixa de valer. O equilíbrio é sempre precário, e por isso a cultura e o senso de decoro das autoridades --que a família joga no lixo --são tão importantes.

A campanha de Bolsonaro, tanto por seus meios oficiais quanto por agregados e apoiadores, fomenta uma atmosfera de fanatismo e paranoia. Em seu discurso, as instituições conspiram contra eles. As pesquisas mentem, as urnas estão fraudadas, a mídia é vendida e veicula fake news e a Justiça está em busca dos menores pretextos para condená-los.

Todos estariam sob a influência do Foro de São Paulo a serviço do comunismo e, de forma mais ampla, do globalismo e do marxismo cultural. PT, petismo, comunismo, corrupção e crime viraram conceitos intercambiáveis, contra os quais não há mentira ou barbaridade que não seja tolerável.

Pessoalmente, acredito que a eleição já esteja definida. Bolsonaro poderia até mesmo vir em rede nacional dizer que defende a ditadura sim, que vai prender petistas e ministros do Supremo, fechar o Congresso, reinstituir a tortura; seus números pouco se alterariam. "Está fora de contexto"; "é uma piada"; "e a Venezuela?". Outros celebrariam. Os relatos de violência política cometida por eleitores do Bolsonaro não param de crescer. No Exército, o apoio entre os soldados é grande. O risco está dado.

Apesar disso, não acredito que que a Presidência Bolsonaro significará o fim da democracia. As exigências da negociação e da moderação do discurso para acomodar interesses terão seu efeito. O Judiciário, o Congresso, as Forças Armadas, a mídia e a sociedade civil não se prostrarão. Teremos que ficar vigilantes e prontos para defender a lei contra a força bruta. Apesar da piora, nada de novo no front.
Joel Pinheiro da Fonseca
Economista, mestre em filosofia pela USP.